Cotidiano

Cidade do Litoral pode 'colapsar' se não buscar soluções contra enchentes

Mesmo com avanços, cidade ainda sofre com temporais; especialistas apontam exemplos viáveis para reduzir alagamentos e riscos climáticos

Luana Fernandes Domingos

Publicado em 27/04/2025 às 07:00

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Santos é a cidade mais vertical do Brasil, segundo o Censo 2022 / Renan Lousada/DL

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Mesmo com investimentos em obras de drenagem e planos climáticos, a cidade de Santos segue enfrentando problemas graves durante temporais: alagamentos em bairros inteiros, crateras, deslizamentos de morros e prejuízos a moradores. A Zona Noroeste é uma das áreas mais impactadas.

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Para especialistas consultados pela reportagem do Diário do Litoral, a cidade precisa agora dar um passo além: investir em soluções integradas e baseadas na natureza, com inspiração em boas práticas aplicadas em outras partes do mundo.

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"Santos tem avançado em ações importantes, como intervenções em áreas de risco, limpeza de canais e investimentos em monitoramento. Porém, os efeitos das mudanças climáticas exigem uma nova etapa: a integração entre planejamento urbano, infraestrutura verde e tecnologia", avalia o arquiteto e urbanista Alessandro Lopes.

Praças secas podem amenizar o problema

Entre as soluções apontadas por Lopes está a criação de praças secas, que funcionam como espaços de lazer em dias comuns, mas se transformam em áreas de retenção de água da chuva durante tempestades. São Paulo, Curitiba e Recife já implantaram estruturas desse tipo. No exterior, o Benthemplein, em Roterdã, é um dos modelos mais citados, com capacidade para armazenar até 1.800 m³ de água.

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Além disso, cidades como Cingapura, com seus parques alagáveis, e Tóquio, que usa sensores e modelagem preditiva para antecipar enchentes, mostram caminhos possíveis para Santos. Barcelona já adota inteligência artificial para operar sistemas de drenagem em tempo real.

"Em Santos, áreas públicas como praças poderiam assumir esse duplo papel, unindo lazer e função técnica, sem perder sua vocação urbana", explica Lopes.

Apesar dos avanços pontuais feitos pela prefeitura — como o monitoramento meteorológico e obras em morros — o arquiteto aponta que elas não são suficientes. Para ele, o desafio exige respostas estruturais e regionais, com o envolvimento de órgãos como a AGEM (Agência Metropolitana da Baixada Santista) e o CONDESB (Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana).

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Entre as medidas sugeridas estão: reservatórios subterrâneos em praças como Campo Grande e Ana Costa; ampliação do uso de ecobags e estruturas costeiras naturais; campanhas de educação ambiental regional; e integração digital entre municípios, com compartilhamento de dados e simulações.

Outra preocupação: avanço do mar

O avanço do mar também preocupa. A cidade já utiliza estruturas como os espigões da orla e as ecobags, mas, segundo o arquiteto, isso precisa ser parte de uma estratégia coordenada de adaptação costeira, envolvendo Santos, Guarujá, São Vicente e Cubatão. A recuperação de manguezais e faixas de vegetação nativa também é urgente.

Outro ponto de atenção é a verticalização urbana. Para Lopes, o problema não está nos prédios em si, mas na falta de infraestrutura adaptada às novas exigências climáticas.

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"A verticalização pode ser positiva — desde que venha junto com soluções inteligentes: reservatórios nos edifícios, jardins de infiltração, reuso da água da chuva e integração com sistemas modernos de drenagem", afirma.

O urbanista lembra ainda que, apesar de a média anual de chuvas na Baixada Santista — cerca de 2.000 mm — não ter mudado desde os tempos de Saturnino de Brito, o padrão das chuvas se transformou: agora elas vêm com muito mais força e concentração.

“Santos ensinou o Brasil quando abriu canais para a saúde urbana. Agora, é tempo de liderar mais uma vez — planejando uma região metropolitana resiliente, com coragem e inteligência urbana”, conclui Lopes.

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“É preciso pensar Santos para os próximos 50 anos”

A cidade de Santos registrou um colapso urbano no último dia 19 de abril, com alagamentos em diversos bairros, paralisação dos transportes públicos, suspensão do VLT, trânsito completamente travado, queda de árvores e mais de 40 semáforos desligados. A causa: 177 milímetros de chuva em menos de 6 horas, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET). A média histórica para o mês inteiro de março é de 237 mm.

Apesar de o volume ser considerado extremo, especialistas alertam que a tendência é que esse tipo de evento se torne cada vez mais frequente. Mudanças climáticas, verticalização desenfreada e um sistema de drenagem defasado estão entre as principais causas apontadas por pesquisadores e técnicos da região.

Santos está sendo duplamente impactada: pela maior quantidade de chuva e pelo avanço do mar. Este raciocínio é compartilhado pelo arquiteto e urbanista Ricardo Andalaft, professor universitário e especialista em planejamento urbano.

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“A caixa de drenagem que usam hoje é pequena para a demanda. Com a impermeabilização do solo e a verticalização, temos cada vez mais água para escoar, e menos solo para absorver. Além disso, com o nível do mar subindo, o lençol freático fica mais alto. Não adianta tentar jogar a água da chuva para fora, porque você está jogando água na água”, diz.

Soluções são urgentes

Para Andalaft, a cidade precisa de soluções estruturais e urgentes. Uma delas é a construção de reservatórios subterrâneos nos novos edifícios e o incentivo ao que ele chama de “praças secas” — estruturas semelhantes aos “piscinões” de São Paulo, mas com áreas verdes ou de lazer sobre grandes bolsões de água subterrâneos.

“Na Ricardo Jafet, em São Paulo, o piscinão resolveu um problema histórico de alagamento. Aqui em Santos, a gente podia ter isso na região da Ponta da Praia, do Gonzaga, e principalmente na Zona Noroeste. Já passou da hora”, argumenta.

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Segundo o arquiteto, os sistemas atuais de drenagem da cidade ainda funcionam porque foram muito bem projetados no início do século XX, mas estão no limite. “A previsão de vazão feita por Saturnino de Brito era para 75 anos. Já se passaram mais de 120. Ainda funciona, mas já foi ultrapassado. Precisamos atualizar esse sistema com as tecnologias que temos hoje”, afirma.

O que pode ser feito?

De acordo com Andalaft, a verticalização já existente é irreversível, mas pode e deve ser adaptada. “O que está construído precisa se adequar para absorver parte da própria água da chuva. Isso inclui reservatórios nos subsolos e soluções como telhados verdes, pavimentos drenantes e áreas de infiltração nas calçadas. A rua asfaltada, como está hoje, impermeabiliza tudo. Pouco verde, poucas praças, pouca calçada verde. Isso agrava o problema”.

O arquiteto defende que é possível planejar e executar as obras necessárias com tecnologia existente. “A engenharia tem solução. Tudo depende de dinheiro, vontade política e um cronograma físico-financeiro. A Holanda, por exemplo, está toda abaixo do nível do mar e tem um sistema de drenagem altamente eficiente. Está se adaptando a novos problemas com antecedência. A gente pode fazer o mesmo aqui”, pontua.

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O futuro próximo

Andalaft é enfático em afirmar que a tendência é piorar. “É cíclico. O aquecimento global, o derretimento das calotas, o aumento do nível do mar, tudo isso vai continuar. Não é uma grande onda que vai invadir a cidade de uma vez, é gradual, mas certo. Cada vez mais prejuízo, cada vez mais inundações”, alerta Andalaft.

Para ele, é preciso pensar Santos para os próximos 50 anos. “A gente pode até não parar de encher completamente, mas podemos reduzir muito o impacto com as soluções certas. O custo de esperar é muito maior. Se não fizer agora, lá na frente a obra será maior, mais cara, e o prejuízo à cidade também. Santos precisa se preparar para continuar existindo com qualidade de vida”.

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