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Cotidiano

Autistas buscam direitos em Praia Grande

Para mães, a cidade que mais cresceu na Baixada Santista, ainda engatinha quando o assunto é respeito aos portadores de necessidades especiais

Publicado em 17/03/2014 às 10:54

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Depois de estar sendo acusada de desrespeitar os direitos humanos por não oferecer transporte adaptado a estudantes com necessidades especiais, a Administração do prefeito de Praia Grande, Alberto Mourão, deverá carregar nas costas outra pecha tão pesada quanto a primeira: a de não oferecer tratamento digno a pelo menos 25 autistas do Município, boa parte com grau severo da deficiência.

Esta semana, o Diário do Litoral esteve conversando com algumas mães de autistas do Município. Elas fazem parte do Grupo Coração Autista e todas foram unânimes em afirmar que Praia Grande é um péssimo exemplo de atendimento. As mães vão buscar na Justiça – uma prática que já se tornou comum na Cidade - a assistência negada aos filhos, já que todas as formas de sensibilizar a Administração foram esgotadas.

O maior problema levantado pelo grupo é com relação ao Centro Socioterapêutico Antônio Tavares de Santana, na Vila Sônia, montado pela Administração para atender alunos portadores de diversos tipos de deficiências como paralisia cerebral, deficiência intelectual, autismo e portadores de deficiências múltiplas.

Para as mães é um equipamento praticamente de fachada, que se tornou um verdadeiro depósito de autistas, cuja falta de infraestrutura, principalmente humana, contribui para o agravamento do problema dos filhos. O Centro, segundo elas, não tem nem um terço da estrutura anunciada há cinco anos - 35 profissionais dos serviços de Terapia Ocupacional, fonoaudióloga, psicólogos, assistentes sociais e fisioterapeutas, além dos atendentes. 

Imóvel apresenta pouca manutenção. Até identificação sumiu (Foto: Luiz Torres/DL)

Mãe de Victor Augusto, de 23 anos, Ivanéia Quintanilha Mariano de Souza, por conviver a mais tempo com o problema do filho, atesta o atendimento precário oferecido em Praia Grande. “Tiraram meu filho da escola onde estava e falaram que ele teria tudo no Centro, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta, pedagogo, enfim. Só que não tem nada disso e, quando reclamo, alegam que eu assinei a matrícula”.

Segundo conta, o equipamento vem sendo sucateado nos últimos anos e, nos dias atuais, quase nenhum serviço é oferecido. Tempos atrás, Ivanéia cobrou da Prefeitura a retirada dos serviços, mas jamais teve retorno. “Hoje, só tem uma fonoaudióloga (que deve sair de licença em função da gravidez); uma psicóloga e uma assistente social. Os autistas ficam sem atividade na maior parte do tempo. Na cidade, o centro já é considerado depósito até por ex-funcionários”, conta.

Além da falta de profissionais, a mãe revela que o centro também carece de equipamentos e outros materiais. “No momento, estão pedindo luvas descartáveis. Aliás, desde que inaugurou, a gente recebe bilhetes pedindo luvas, pois a Secretaria da Saúde não fornece. Tem adultos que usam fraldas lá e são os pais que têm que levar. Tem mães de 60 anos com filhos cadeirantes de 40”, afirma, pedindo para não ser fotografada por temer perseguições.

Reportagem não pôde conferir de perto

Na última sexta-feira, a reportagem esteve no Centro, mas foi impedida de checar a falta de profissionais e equipamentos, além dos problemas apontados pelas mães. A agente administrativa Denise Florindo Rosa também se negou a dar informações.

Do lado de fora do imóvel, era visível a falta de manutenção. As placas de identificação, por exemplo, estavam gastas e mal dava para ler o nome do Centro. As paredes e a fiação externas também apresentavam problemas e a grama do entorno estava alta.

Ainda do lado de fora, algumas funcionárias improvisaram um bazar de roupas usadas, sobre um banco. Elas não quiseram se manifestar se havia pouco serviço a fazer no centro e se o equipamento estaria precisando dos recursos de um bazar, cujo nome era fixado numa plaquinha improvisada sobre uma cadeira na porta do imóvel.

Dois rapazes que moram nas imediações do Centro, que pediram para não serem identificados, confirmaram que o movimento de pais e deficientes caiu muito nos últimos anos. Eles garantem que a equoterapia (tratamento com auxílio de cavalos) não existe mais, bem como outras atividades. “No começo era organizado. Nunca mais vimos crianças passeando na rua e todos os animais saíram do centro”.

Segundo levantado pelo DL, além de equipamentos e materiais especiais, um centro, como o de Praia Grande, teria que ter, no mínimo, profissionais nas áreas da Psicologia; Fonoaudiologia; Terapia Ocupacional; Pedagogia; Fisioterapia, Pedagogia e educadores nas mais diversas áreas, entre elas de Educação Física.

De adultos para as crianças

Rosane Oliveira da Costa é mãe de Marcos Eduardo, de apenas nove anos. Ela só consegue assistência ideal para o filho na Associação de Pais de Alunos Excepcionais (APAE) de Mongaguá, cidade vizinha e com estrutura bem menor do que Praia Grande. “Além disso, não recebo transporte. Meu filho possui o grau severo de autismo e os professores daqui (Praia Grande) não sabem como lidar com ele. Em Mongaguá, Marcos tem tudo”, conta Rosane.

Ela explica que o filho, assim com outras crianças com problema semelhante, precisa de um acompanhamento e métodos especializados, até em função dos medicamentos. “Todos os dias, além de mim, cerca de seis mães saem de Praia Grande para a APAE de Mongaguá. Todas utilizam o ônibus comum, de linha, que também não é ideal”.

Sufoco total

Eliane Alves de Morais, mãe de Vagner (oito anos), conta que a falta de um psiquiatra infantil é o seu maior problema e de outras mães. Segundo ela, a profissional oferecida, que não era especialista em crianças, resolveu parar de atender e até agora o Município não encontrou um novo profissional. “Está muito difícil. O estresse é grande. Meu filho chegou a me bater, beliscar e morder. São crianças difíceis, que precisam de atendimento diferenciado. Há quatro anos que a situação não muda. As medicações, por exemplo, eu pego no Ambulatório Médico Especializado (AME) de Santos. Tudo aqui (Praia Grande) é difícil, é sofrido”, conta. As mães ainda revelam que a Prefeitura, quando recebe muitas reclamações, ameaça cortar a pouca assistência.

Responsável pelo Grupo Coração Autista, Solange Lara Pupo garante que 25 pais passam por essa situação em Praia Grande. Ela acredita que esse número deve ser bem maior, pois muitos desconhecem os direitos e o grupo. “Quem quiser atendimento digno para o autista tem que ir para outra cidade. O atendimento em Praia Grande, com relação não só ao autismo, mas também com as demais deficiências, é zero. Não existe tratamento e inclusão”.

O munícipe Rogério Rizzo, também conhecedor profundo dos problemas apontados pelas mães - tem um filho especial – esteve recentemente em um programa de rádio relatando o pouco caso da Administração Municipal para com os deficientes. “Alunos que foram transferidos das escolas Anahy Trovão e Sérgio Vieira de Mello para o Centro estão em verdadeiro estado de vegetação. As crianças não têm passeios externos e não fazem nenhuma atividade para desenvolvido com métodos especializados”.

Rizzo confirma que há ameaças as descontentes. “quando elas (mães) perguntam o que os alunos fazem, são ameaçadas, numa clara tentativa de intimidação. Vou acompanhar esse caso e queremos o melhor desfecho possível. Não é possível esse desprezo com os especiais”, afirma.

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