Artista acredita que pode deixar um legado para a cidade, ensinando a arte de esculpir na areia / Nair Bueno/Diário do Litoral
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Uma pilha de areia na praia, um artista andarilho ‘perdido’ pelas ruas de Santos e a boa vontade dos trabalhadores que fazem o desassoreamento dos canais e de uma família de artistas da cidade. Foram esses os ingredientes que conduziram a reportagem do Diário até Isaac Couto, artista autodidata que há 20 anos faz esculturas nas praias do Brasil.
Em Santos após um sopro do destino – a vontade mesmo era ir para as praias do Nordeste, mas a notícia de chuvas fortes por aquelas bandas conduziu Isaac para cá – ele conta que foi com alegria que viu o monte de areia sendo retirado do Canal 2. “Eu cheguei com R$900 no bolso e ia usar para pagar uma hospedagem barata, comer e comprar uma pá para agrupar a areia e fazer o que eu amo. Foi um presente ver tanta terra junta, já prontinha para eu começar a minha obra”, relembra.
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Mas os recursos ainda eram poucos. Sem condições de se manter na cidade, Isaac tentou vender o celular nos quiosques e pensou em desistir, até encontrar uma família de ‘Anjos’. Foi durante um passeio de bicicleta pela Orla que os caminhos do fotógrafo Fabiano Ignácio, da pequena Paola Ignácio e da artista plástica Simone ANJOS cruzaram com o de Isaac.
“Ele tinha começado a montar o primeiro castelo e aquilo chamou tanto a minha atenção que desci da bicicleta e comecei a conversar. Como artistas sabemos o quanto é difícil tirar o sustento da arte e começamos a ajudar com o que era possível, principalmente divulgando o trabalho dele para que as pessoas possam conhecer, fazer fotos e colaborar com a sua estadia na cidade”, conta Fabiano.
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A cada dia a obra - instalada bem na altura da Avenida Bernardino de Campos - ganha novos contornos. A ideia é grandiosa: Isaac quer montar uma árvore de Natal, um presépio e instalar uma pequena fonte na estrutura. Tudo isso a partir de doações para que possa comprar os materiais, se alimentar de forma correta e conseguir descansar a cada jornada de trabalho.
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“Hoje eu tenho medo de sair daqui e alguém destruir a minha escultura. O pessoal que faz a limpeza do canal me ajuda muito. Eles acumulam a areia para mim e me deram uma fita para que isole a área. Eu também zelo bastante para garantir a segurança por aqui, pois no final da tarde muitos pais trazem crianças para brincar e eu ensino eles a montarem suas próprias esculturas”, conta o fluminense que há anos trocou o Rio de Janeiro pelo Brasil e já andou por muitas estradas, conforme a reportagem conta a seguir.
‘Coincidências’ ligam história de Isaac com a Baixada Santista
Foi após um banho de mar na Praia do Flamengo que Isaac se descobriu artista. “Eu morei mais de 20 anos na rua depois que meus pais faleceram. Saí de Nova Iguaçu e fui ver o mar (a cidade fica há mais de 32 km da praia mais próxima). Lá eu trabalhei em uma barraca na praia até ter o meu próprio carrinho, que sempre era recolhido pela guarda, pois não era regularizado. Um dia eu estava triste, pedi para Deus uma luz, dei um mergulho na água e quando sai dela olhei para areia e tive certeza de que aquele era meu dom”, relembra.
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A exibição da segunda versão da novela ‘Mulheres de Areia’, na década de 90, o fez se apaixonar definitivamente pela arte do emblemático personagem Tonho da Lua.
“Por muito tempo eu esculpi na praia de Copacabana e parei após uma depressão causada, dentre outras coisas, por uma ação arbitrária da Guarda do Rio, que destruiu minhas esculturas. No tempo que trabalhei lá, fiz amizade com muita gente e até aprendi inglês com os turistas que passavam por lá. Em 2004 participei da exposição “Tudo é Brasil, nada é Brasil”, no Paço Imperial do Rio de Janeiro a convite do então diretor, Lauro Cavalcante”, relembra.
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Isaac também participou de diversos programas de TV e fez uma intervenção no MAM do Rio de Janeiro a convite do artista alemão Roberto Cabolti.
“Também participei das gravações da novela Florisbela contracenando com a atriz Juliana Silveira. A Simone me disse que ela nasceu aqui e que o Serafim Gonzalez, escultor responsável pela primeira versão de ‘Mulheres de Areia’ também é santista. Soube também que a novela foi gravada na região, em Itanhaém. É muita coincidência. Existe uma força maior que me trouxe aqui, eu tenho certeza”, conta emocionado.
Além da escultura, Isaac acredita também que pode deixar um legado para a cidade, ensinando a arte de esculpir. “Dia desses uma senhora trouxe a netinha e voltou ela mesma querendo aprender. Acho que levo jeito para ensinar”, aponta o artista, que pode ser encontrado diariamente em sua obra.
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“Coincidências talvez não existam e ele quer ficar desenvolvendo esse trabalho aqui na cidade. Para isso ele depende da colaboração dos munícipes, para que prestigiem sua obra e colaborem simbolicamente para que ele possa ficar esses meses e pagar por sua estadia e alimentação, além de comprar materiais para terminar a instalação”, conta Simone.
O artista procura ajuda, seja da Prefeitura ou de algum patrocinador durante a temporada, além de ofertar trabalhos de construção civil.