Cotidiano

Após surto viral, ave mais emblemática do Brasil volta a lista de extinção

A operação integra um plano de emergência para conter o avanço de um vírus sem cura conhecida detectado em abril em um filhote nascido em vida livre

Ana Clara Durazzo

Publicado em 06/11/2025 às 12:00

Atualizado em 06/11/2025 às 12:22

Compartilhe:

Compartilhe no WhatsApp Compartilhe no Facebook Compartilhe no Twitter Compartilhe por E-mail

O recolhimento das 11 ararinha, nove remanescentes da soltura original e duas nascidas na natureza, busca impedir que a infecção se espalhe / Freepik

Continua depois da publicidade

As únicas ararinhas-azuis (Cyanopsitta spixii) que viviam livres foram capturadas na manhã de domingo (3) em Curaçá, no sertão da Bahia, marcando o fim temporário da presença da espécie na natureza.

Faça parte do grupo do Diário no WhatsApp e Telegram.
Mantenha-se bem informado.

A operação, conduzida pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) com apoio da Polícia Federal, integra um plano de emergência para conter o avanço de um vírus sem cura conhecida detectado em abril em um filhote nascido em vida livre.

Continua depois da publicidade

Leia Também

• Bugio-ruivo ameaçado de extinção é visto andando em fios elétricos em Peruíbe

• Protagonista de 'Renascer', o Jequitibá está ameaçado de extinção no Brasil

• Peixe gigante com 200 kg e ameaçado de extinção aparece morto no litoral de SP

A decisão encerra, ao menos por ora, o programa pioneiro de reintrodução iniciado em 2022, que havia devolvido ao céu do sertão baiano 20 aves da espécie que inspirou a animação Rio (2011).

Um vírus que ameaça o renascimento da espécie

O vírus em questão é o circovírus, causador da chamada doença do bico e das penas dos psitacídeos. Ele afeta araras, papagaios e periquitos, causando perda de penas, deformações no bico e enfraquecimento imunológico.

Continua depois da publicidade

Não representa risco à saúde humana, mas pode ser fatal para aves selvagens e extremamente contagioso entre indivíduos.

O recolhimento das 11 ararinha, nove remanescentes da soltura original e duas nascidas na natureza, busca impedir que a infecção se espalhe entre os exemplares reintroduzidos e os cerca de 100 animais mantidos em cativeiro no Criadouro Ararinha-azul, que conduz o programa em Curaçá.

Testes e isolamento

As aves capturadas estão passando por uma série de exames laboratoriais. De acordo com o biólogo Ugo Vercillo, diretor do criadouro, as ararinhas farão três coletas de amostras em intervalos de 30 dias. Se todas resultarem negativas, poderão ser devolvidas à natureza.

Continua depois da publicidade

'Se todos os resultados derem negativos, as aves vão poder voltar à natureza, de acordo com o que nos foi dito pelo ICMBio', explicou Vercillo, que também é fundador da Blue Sky Caatinga, empresa de reflorestamento que atua na região.

O ICMBio confirmou a captura em nota, mas não informou quais serão os próximos passos em caso de resultado positivo para o vírus.

Dias de tensão e tristeza em Curaçá

A operação foi emocionalmente desgastante para a equipe local. As aves foram atraídas para dentro de um grande aviário, onde a comida foi estrategicamente colocada, após o esvaziamento dos comedouros ao ar livre.

Continua depois da publicidade

'Quando fecharam as portas, algumas ficaram assustadas, mas voltaram a comer porque estavam famintas', relatou o técnico australiano Tyson Chapman, que trabalha há três anos e meio no criadouro.

'Foi tudo muito estressante. Foram dias muito tristes. Até levantar da cama estava difícil”, desabafou Chapman, emocionado.

'Elas estavam acostumadas a fazer parte do pôr do sol de Curaçá. Agora, veem esse pôr do sol através das grades.'

Continua depois da publicidade

O técnico também relatou que uma das fêmeas capturadas estava com um ovo prestes a ser posto, mas o ICMBio não teria tomado medidas para protegê-la, o que gerou críticas dentro da equipe.

Conflitos e decisão judicial

A captura foi determinada por decisão judicial em outubro, após meses de impasse entre o ICMBio e o criadouro.

O órgão federal exigia desde julho o recolhimento imediato das aves, alegando risco de contaminação em massa.

Continua depois da publicidade

O criadouro, por sua vez, recorreu à Justiça, argumentando falta de infraestrutura e defendendo uma abordagem menos invasiva, com testes em campo antes de recolher as aves.

O impasse terminou com a determinação judicial para o recolhimento integral das ararinhas, executada entre o fim de outubro e o início de novembro, sob supervisão da Polícia Federal.

A esperança de um retorno

Antes da reintrodução de 2022, a ararinha-azul não era vista em vida livre desde o ano 2000. A espécie é endêmica da caatinga baiana e símbolo mundial da luta contra a extinção.

Continua depois da publicidade

O programa de Curaçá, em parceria com a organização alemã ACTP (Associação de Conservação de Papagaios Ameaçados), foi celebrado como um marco histórico na conservação brasileira.

Apesar do revés, o diretor do criadouro mantém a esperança de reverter o quadro:

'O ICMBio entende que, uma vez positivo, a ave nunca mais poderá ser solta. Mas há casos de recuperação, sim', afirmou Vercillo.

Continua depois da publicidade

Ele cita um estudo da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), que aponta que aves infectadas podem eliminar o vírus e se recuperar totalmente.

Uma nova pausa na história

Para os pesquisadores e moradores de Curaçá, as ararinhas-azuis sempre foram símbolo de resistência e renascimento do sertão.
Com a captura das 11 aves, o céu da caatinga volta a ficar em silêncio — uma segunda extinção em liberdade, marcada por tristeza, mas também pela esperança de que, um dia, elas voltem a voar livres.

“Elas eram parte do pôr do sol”, disse Chapman. “E o pôr do sol de Curaçá não será mais o mesmo sem elas.”

Mais Sugestões

Conteúdos Recomendados

©2025 Diário do Litoral. Todos os Direitos Reservados.

Software