Cotidiano
No Dia Mundial de Luta Contra a Aids (1º de dezembro), Santos é lembrada não pelo estigma, mas pelo pioneirismo que a transformou em referência internacional
Com políticas progressistas, Santos transformou sua rede municipal em um sistema pioneiro de acolhimento, diagnóstico e tratamento multidisciplinar / Arquivo Pessoal
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Durante as décadas de 1980 e 1990, Santos, no litoral de São Paulo, carregou um título doloroso: 'capital da Aids'. Com o maior índice proporcional de casos do país, a cidade se tornou símbolo da epidemia em um período em que o HIV ainda era visto como sentença de morte.
No entanto, quatro décadas depois, no Dia Mundial de Luta Contra a Aids (1º de dezembro), Santos é lembrada não pelo estigma, mas pelo pioneirismo que a transformou em referência internacional no combate à doença.
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O avanço descontrolado da Aids no litoral paulista teve origem em fatores sociais e geográficos. O Porto de Santos, maior da América Latina, era um dos pontos centrais do tráfico de cocaína, que na época era frequentemente utilizada de forma injetável. A prática de compartilhamento de seringas entre usuários impulsionou o surto local.
A transmissão sexual também contribuiu fortemente. Profissionais do sexo, população LGBTQIA+, marinheiros e turistas que circulavam pelo cais formavam uma rede heterogênea de transmissão, que rapidamente se espalhou pela cidade.
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No final dos anos 1980, Santos liderava o ranking nacional de casos por número de habitantes, vivendo uma crise de saúde sem precedentes.
A virada começou quando o município decidiu enfrentar o problema com ações ousadas para a época, desafiando tabus, críticas e até o governo federal.
Santos foi a primeira cidade brasileira a distribuir seringas limpas para usuários de drogas, uma política que hoje é reconhecida mundialmente como eficaz na prevenção do HIV.
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Também lançou campanhas de conscientização e criou uma policlínica voltada ao atendimento de profissionais do sexo.
Foi fundada a Acausa, organização que dava suporte a pacientes em situação de vulnerabilidade ligada ao Hospital Guilherme Álvaro. O grupo distribuía cestas básicas e prestava acompanhamento social — um diferencial no enfrentamento da epidemia.
Santos fez história ao se tornar a primeira cidade brasileira a importar e fornecer gratuitamente o coquetel antirretroviral, antes mesmo da decisão do Ministério da Saúde.
O tratamento aumentou drasticamente a sobrevida dos pacientes que, até então, viviam sob a expectativa de morte iminente.
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A cidade realizou a primeira cirurgia de recuperação facial para soropositivos do país, marco da humanização do cuidado em plena era de estigma extremo.
Com políticas progressistas, Santos transformou sua rede municipal em um sistema pioneiro de acolhimento, diagnóstico e tratamento multidisciplinar. A cidade consolidou-se como centro de referência nacional, oferecendo:
acompanhamento médico especializado
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atendimento psicológico e social
programas de prevenção e orientação
testagem constante
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distribuição gratuita de preservativos e insumos
Atualmente, a Secraids acompanha cerca de 2.600 pessoas que vivem com HIV na cidade; dessas, 1.600 fazem uso regular de antirretrovirais.
Muitos convivem com o vírus há mais de 10 ou 20 anos, resultado direto do tratamento contínuo e do acompanhamento humanizado que colocou Santos décadas à frente de outras cidades brasileiras.
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A resposta de Santos foi reconhecida internacionalmente como uma das mais eficientes da América Latina. O município conseguiu estabilizar a incidência de novos casos, reduzir a mortalidade e, acima de tudo, mudar o destino de uma comunidade que, nos anos de auge da epidemia, vivia com medo, preconceito e falta de informação.
Hoje, no Dia Mundial de Luta Contra a Aids, a história de Santos se tornou símbolo de esperança: a prova de que políticas públicas bem planejadas, coragem política e atendimento humanizado salvam vidas — e podem transformar a cidade mais afetada em um dos maiores exemplos de superação na saúde pública brasileira.