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Cotidiano

Ambulantes ganham a vida na travessia Santos-Guarujá

Ponta da Praia. Histórias dos comerciantes se confundem com as de milhares de pessoas que passam pelo local

Publicado em 10/07/2017 às 10:30

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Manoel vende queijadinhas e é o ambulante mais antigo do Ferry Boat; trabalha no local há 43 anos / Rodrigo Montaldi/DL

Todos os dias milhares de pessoas passam pela travessia de balsas e barcas na Ponta da Praia, em Santos, rumo ao Guarujá e vice-versa. Entre os rostos anônimos, os de dezenas de ambulantes que ganham a vida comercializando alimentos e produtos aos motoristas e ­pedestres. Naquele vai e vem de gente, o Diário do Litoral encontrou as histórias do seu Mario, do Marcos, do Martiniano e das amigas Karina e ­Emanuele.

“Esse lugar era tudo atrasado e agora está adiantado. O único prédio alto era aquele lá (aponta para a edificação que fica ao lado de um posto de combustível). Quando vim para cá, o ponto final do Bonde 4 ficava aqui. Era tudo paralelepípedo. Essa estação de passageiros era de madeira. As pessoas escorregavam”, relembra o ambulante Manoel Cobe dos Santos, de 78 anos.

Seu Manoel tem olhos claros, usa boné branco, colete marrom e crachá de identificação de ambulante. Carrega nos braços um ­vasilhame transparente repleto de queijadinhas. Oferece a iguaria aos ­carros ­enfileirados a espera da liberação para embarque na balsa. A rotina de vendas em Santos começou logo que ele chegou à cidade há 43 anos.

“Saí de Aracaju com 23 anos e fui parar em Londrina. Lá eu trabalhei na lavoura de café. Fui para Juquiá e continuei trabalhando com plantação. Juntei dinheiro e, com o meu sogro, abri um depósito de bananas em Santo Amaro. Mas as coisas ficaram difíceis e tive que voltar para o litoral. Foi em 1968. Vim para a praia vender água, refrigerante e biscoito. Estou na queijadinha há pouco mais de 20 anos”, contou o ­ambulante.

Lembranças

A informalidade rendeu bons apuros a seu Mario, que com outros amigos de atividade puderam regularizar a situação em meados de 1996. Boas lembranças é o que não faltam para ele. “Depois que consegui a licença de ambulante ninguém mais mexeu comigo. Muita gente que passou por aqui já morreu. ­Lembro do finado ­Manoel Macaco. Vendia bilhetes da loteria. Era muito conhecido e ­brincalhão. Gente fina. Sabe que aqui tenho vários apelidos? Me chamam de Rui Chapéu, Sabido e Seu Balsa”, ­recordou.

Seu Mario aposentou por idade e, apesar dos quase 80 anos, não pensa em deixar a vida de ambulante para trás. Recentemente sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC) enquanto trabalhava. A séria ocorrência debilitou um pouco sua saúde, mas a teimosia e a vontade de seguir trabalhando não o deixam ficar em casa. “É obra de Deus ele estar vivo. Eu venho todos os dias depois do meio-dia trazer o almoço e os remédios dele. Fico sentada olhando ele até terminar o dia e o meu filho passar aqui de carro e nos levar embora”, disse a esposa de seu Mario, Terezinha Silva Trigo, de 57 anos.

“Trabalho é suado, mas se eu ficar em casa e parar fico doente. ­Trabalho de segunda a segunda. A vida da gente é lutar para depois ter o retorno do bem”, disse o vendedor de queijadinhas, que após a entrevista em frente à Travessia de Barcas, na Ponta da Praia, seguiria para casa, no bairro ­Jardim Santo Antonio, em ­Guarujá, com a esposa.

Marcos Paulo realiza o sonho de ser ambulante

Emprego fixo e com carteira assinada é o desejo de muitas pessoas, mas não o do Marcos Paulo Montenegro, de 42 anos. Depois de três anos e meio atuando como motorista de caminhão, ele largou o trabalho formal para realizar o sonho de ser ambulante. As mãos, que antes dominavam os volantes de veículos de grande porte, hoje manuseiam equipamentos que produzem churros.

“Trabalhava com carreta há três anos. Antes fui motorista de táxi por 12 anos. Minha mulher fazia faxina e eu queria tira-la da faxina. Comprei um carrinho de lanche para ela trabalhar. Mas meu sonho era ser ambulante. Trabalhei muitos anos com lanche lá no CPE (quiosques da orla que ficam em frente a Igreja do Embaré). Juntei dinheiro e comprei o carrinho de churros”, contou Marco.

A primeira licença para venda de churros era em um ponto no bairro Gonzaga, mas não teve muito sucesso. “Difícil competir com quem tem mais de 30 anos vendendo churros. Eles já têm clientela e produto conhecido. Com muita luta consegui autorização para ficar na fila da balsa e depois aqui na barca”, afirmou.

A habilidade que tinha na chapa confeccionando lanches não era a mesma para o churros. As primeiras massas deram dor de cabeça. “Aprendi a fazer com uma senhora que é famosa em Guarujá. Ela deu a base e fui aprimorando. As primeiras massas explodiram. Não foi fácil. Mas hoje temos uma receita própria. O pessoal fala que o sabor é diferente e bem gostoso. Sou suspeito”, disse o bem humorado Marcos. No carrinho do ambulante os sabores são de doce de leite, chocolate, goiabada e chocolate com avelã.

Marcos trabalha de domingo a domingo no carrinho com a esposa e uma funcionária. “A minha mulher insiste para eu voltar para o caminhão, que é estabilidade. Aqui às vezes a gente ganha a mesma coisa que lá ou até mais, mas não tem férias. Ainda assim não me arrependo. Sou muito feliz”, destacou o ambulante.

O homem do pão

A história do padeiro Martiniano Ferreira da Silva Pinto, 66 anos, foi o que levou a Reportagem até os ambulantes do Ferry Boat. Uma leitora falou com carinho de ‘um senhor que vendia pães na fila da balsa’. “Tem até pão sem glúten”, escreveu ela. Todos os dias, no período da tarde, ele para com duas caixas grandes no canteiro central ao lado da ciclovia onde comercializa o alimento que produz artesanalmente em sua cozinha.

“Eu que faço os pães. Tem de batata, cenoura, leite, mandioquinha, mandioca e sem glúten. O sem glúten só faço por encomenda. A maioria dos meus clientes mora em Guarujá e trabalham e Santos. Tenho cliente de todas as classes sociais”, disse Martiniano, que é conhecido como ‘seu Max’ ou o ‘homem do pão’.
Seu Max é natural da Baixada Santista, mas morou fora por 30 anos. “Vinha para cá todo ano para visitar a minha mãe. Em 2013 ela ficou doente e acabei ficando por aqui. Depois ela faleceu”, ­contou.

A ligação com os pães veio após um curso que realizou no Senai de Boa Vista, capital do estado de Roraima. Trouxe a arte da panificação para cá e começou a fazer o alimento para amigos. “Eu queria ir embora depois que a minha mãe faleceu, mas comecei a fazer pão para um, para outro e negócio cresceu. Há quatro anos fui vender ao lado do AME (na Epitácio Pessoa). Depois vim para cá (a ciclovia)”, ressaltou.

A rotina de seu Max começa à meia-noite, quando prepara a massa dos pães. O ritual vai até às 7 horas, quando a fornada está pronta. Depois de embalar os alimentos ele vai descansar o corpo. Por volta das 14h30, sai do apartamento onde mora em Guarujá. “Essa é a minha única renda. Com os pães pago o meu aluguel e as minhas contas. Antes da crise eu ­vendia uns 50 pães por dia. Hoje vendo 30”, afirmou­.

Seu Max é conhecido pelos pedestres que passam rumo à barca. Uma cliente conhecida para e garante o pão. Outros o cumprimentam. “Aqui o que predomina é o respeito. O segredo do bom comerciante é a educação e a limpeza. Quem compra o meu pão sempre volta porque vê a qualidade”, destacou.

‘Vai um brigadeiro aí?’

“Brigadeiro é um real”. É com essa frase que as amigas Karina Tavares, de 30 anos, e Emanuela Corpes, de 33 anos, chamam atenção dos usuários da travessia de barcas. As iguarias dispostas organizadamente em uma caixa são coloridas e de diversos sabores. A ideia de vender brigadeiros nasceu da necessidade de se reinventar diante da crise econômica e do desemprego.

“Eu tinha uma padaria em Vicente de Carvalho, mas acabei vendendo. Fui trabalhar como autônoma na Rua Carvalho de Mendonça, aqui em Santos, e lá fiz amizade com uma moça que pagava o aluguel de R$ 1.600,00 com a venda de brigadeiros. Pensei, isso dá dinheiro. Naquela época eu pagava para trabalhar. O dinheiro só saia e não entrava. A crise chegou e acabou afetando a ­minha vida”, disse Karina.

Com a ideia dos doces na cabeça fez um curso de trufas e iniciou a produção de brigadeiros junto com a amiga Emanuela. “No começo a gente andava pelo calçadão vendendo. Era mais gourmet. Um dia uma menina que estava indo para a faculdade, a Bruna, que hoje é nossa amiga, falou porque a gente não ficava na porta da barca já que muitos universitários paravam ali”, disse Karina.

A dupla seguiu o conselho da universitária e deu certo. “O volume de pessoas é maior e poder econômico mais baixo. Investimos em outros sabores e passamos o preço para um real. O nosso público maior são os universitários. Fizemos muitas amizades aqui. Tem gente que para e conta a vida. Tem gente que nos chama até para festa. Para complementar também vendemos pipocas”, destacou Karina.

As ambulantes vendem cerca de 150 brigadeiros por dia. Tem brigadeiro de chocolate, beijinho, bicho de pé, crocante e de amendoim. “Até agora está dando para pagar as contas”, dizem as amigas.

 

 

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