Cotidiano
Poucos locais na Baixada Santista têm tanta história para contar quanto o Centro de Santos. Suas ruas e avenidas, em sua maioria, têm nomes que homenageiam figuras marcantes
Agenor comenta que é fundamental que a sociedade escolha com cuidado quem deve ser homenageado em nomes de ruas / Igor de Paiva/Diário do Litoral
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Poucos locais na Baixada Santista têm tanta história para contar quanto o Centro de Santos. Suas ruas e avenidas, em sua maioria, têm nomes que homenageiam figuras marcantes.
Esse é o caso da Rua Martim Affonso, que funciona como uma lembrança quase eterna do nobre, militar e administrador português enraizado na região. Afinal, ele também fundou a Vila de São Vicente.
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No entanto, um protesto lançou dúvidas sobre a moralidade da figura histórica.Nas últimas semanas, a placa que identifica a rua recebeu uma colagem com os dizeres: “Ele era um escravagista. Alguém que assassina o povo não merece homenagem.”
Para sanar o questionamento acerca de Martim Affonso, a reportagem do Diário do Litoral conversou com o professor Cesar Agenor, que atualmente atua na Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO-PR).
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“A colagem na placa de rua faz todo o sentido histórico. Quando a gente pensa que todo empreendimento português, desde o início, é baseado na mão de obra escravizada”, afirma.
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No caso de Martim Affonso, o historiador explica que, quando o personagem histórico viajou ao Brasil para cumprir sua missão de povoamento da região, trouxe consigo pessoas escravizadas da Guiné, país localizado na região conhecida como África Ocidental.
A relação de Portugal com o açúcar e, consequentemente, com o processo de escravização de outros povos para o trabalho forçado vem de antes da colonização do Brasil. “Quando a gente olha com mais detalhes históricos, percebe que os portugueses começaram esse processo no século anterior. Desde o começo do século XV, por volta de 1400, eles já colonizavam ilhas no Atlântico Africano, próximas à costa africana. Nesse processo, passaram a produzir açúcar e, ao fazê-lo, utilizaram mão de obra escravizada”, comenta Cesar Agenor.
Nesse sentido, esse modelo de atividades econômicas foi trazido para a América portuguesa e para o que viria a se tornar o território brasileiro.
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Agenor comenta que é fundamental que a sociedade escolha com cuidado quem deve ser homenageado em nomes de ruas.
“Não podemos dar nome de rua a pessoas vivas. Por isso, ao homenagear figuras do passado — seja ele mais próximo ou distante — é preciso ter cautela”, destaca.
Natural de Praia Grande, ele lembra que a cidade possui homenagens a presidentes que atuaram durante a Ditadura Militar brasileira. “A gente não pode ter como heróis apenas pessoas que escravizaram, vilipendiaram este país e assaltaram a nossa democracia. É muito importante que, socialmente, a gente repense essas homenagens”, afirma.
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Apesar disso, o professor comenta que é totalmente contra o vandalismo em bens públicos. “Existe uma lei para que aquela rua tenha aquele nome, e a placa foi feita com dinheiro público. Mas não sou a favor de vandalizar o patrimônio público. Sou contra qualquer tipo de depredação. Sou a favor da mudança por meios legais.”
De acordo com Cesar Agenor, a região do Centro de Santos tem relação direta com a escravidão. “A escravidão foi o regime de trabalho predominante durante todo o período colonial e também durante o Império, porque, quando a escravidão acaba, em 1888, um ano depois cai o Império”, explica.
O historiador comenta que todo o período colonial e imperial teve como base principal a mão de obra escravizada, estruturando a economia no sistema de escravidão.
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Um exemplo dessa influência é o Monumento Nacional das Ruínas do Engenho São Jorge dos Erasmos, que atualmente fica na Zona Noroeste e é cuidado pela USP. “Aquele engenho, aquelas ruínas, apresentam uma arquitetura que só encontramos de forma semelhante nas ilhas da costa atlântica africana”, conclui.
Ele explica ainda que a cidade de Santos recebeu pessoas escravizadas por um longo período.
A título de curiosidade, o município ficou conhecido como a “cidade da liberdade”, pois Santos teria decretado o fim da escravidão antes de 1888. No entanto, materiais históricos, como documentos e jornais da época, mostram que pessoas continuaram sendo vendidas ou alugadas até a abolição oficial da escravidão.
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Procurada pelo Diário do Litoral, a gestão municipal deixou claro que a definição, alteração ou substituição da denominação de logradouros públicos não é atribuição do órgão de trânsito, mas de competência do Poder Legislativo Municipal, mediante projeto de lei específico, com tramitação na Câmara Municipal e sanção do Executivo.
Somado a isso, No que se refere à colocação de adesivos, inscrições ou qualquer tipo de intervenção em placas de sinalização viária, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) estabelece vedações expressas.
Desse sentindo, além das consequências administrativas previstas na legislação de trânsito, a conduta irregular pode caracterizar crime de dano qualificado ao patrimônio público, conforme o Código Penal, cabendo à apuração às autoridades policiais
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