Cotidiano
A trajetória de Régis Marques, o educador que transformou o Parque dos Sonhos e a própria vida com a força da não violência
Diretor Régis Marques acreditou na transformação da escola através educação não violenta / Júlia Macêdo/DL
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“Um rapaz latino-americano, sem dinheiro no banco.” É assim que Régis Marques costuma se definir, rindo, quando alguém pergunta quem ele é.
Filho da periferia de São Paulo, cresceu no Grajaú e aprendeu cedo o que é lutar por espaço. Começou a trabalhar aos 14 anos, ainda estudante da rede pública, dividindo o tempo entre os estudos, o futebol e o escritório onde ganhava o suficiente para se sentir independente. Faculdade, naquela época, parecia luxo.
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Mas um convite mudou tudo. Um amigo insistiu para que ele fizesse um cursinho popular, voltado a jovens de baixa renda. Régis resistiu, foi meio sem vontade — e acabou encontrando ali o que mudaria sua vida: a ideia de que a educação poderia ser o caminho mais poderoso para transformar o mundo.
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“Eu queria mudar as coisas, mas não sabia como. E quando comecei a estudar Gandhi, Mandela, Martin Luther King, percebi que dava pra fazer isso de forma não violenta”, lembra.
Inspirado por esses nomes, escolheu cursar História. Entrou na faculdade, mergulhou no movimento estudantil, coordenou cursinhos comunitários e passou a ver na sala de aula o lugar onde poderia agir, de verdade, pela transformação social.
Em 2005, recém-formado, começou a dar aulas na rede estadual. Era um jovem professor diante de uma turma de 43 alunos do oitavo ano — e foi ali que entendeu o tamanho do desafio. “Eles me ensinaram muito mais do que eu ensinei. Aprendi a ouvir, a acreditar no potencial deles.”
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A vida pessoal seguiu o mesmo ritmo de descobertas. Casou-se em 2008, teve duas filhas — que hoje estudam na escola onde ele é diretor.
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Veja o momento em que a Escola Parque dos Sonhos recebeu a confirmação do prêmio:
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Em 2016, Régis foi convidado a assumir a direção de uma escola em Cubatão. Antes de aceitar, pesquisou sobre o local e encontrou uma reportagem do Diário do Litoral que o assustou: o colégio sofria com vandalismo, furtos e insegurança. O entorno era conhecido como “Parque dos Pesadelos”.
Mesmo assim, decidiu conhecer o lugar. E quando chegou, viu nos olhares cansados de alunos e professores uma mistura de descrença e esperança. “Eu disse pra eles: aqui vai ser a melhor escola do Estado.”
O começo não foi fácil. Faltava tudo: verba, estrutura, confiança. Mas sobrou vontade. Régis escreveu 135 ofícios em busca de apoio e conseguiu uma doação de R$ 100 mil de uma empresa privada. Reformou o prédio, coloriu os muros e iniciou o projeto “Transformando Pesadelos em Sonhos”, inspirado na metodologia da não violência.
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“Eu via aluno xingando professora, gente que não acreditava mais em nada. A gente começou a mudar por dentro — no jeito de tratar o outro, de olhar, de ouvir. Hoje o aluno almoça sentado, com garfo e faca, conversa. Isso também é educação.”
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A escola virou extensão de casa. As filhas de Régis estudam lá, e a esposa realiza atividades de escuta e autocuidado com as mulheres da comunidade. “A gente vive a escola. Ela é nossa vida.”
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Quando o Parque dos Sonhos foi eleito a melhor escola do mundo, Régis chorou. Chorou por tudo o que aquela conquista simbolizava: a superação de um bairro que antes era sinônimo de medo, a transformação de uma comunidade desacreditada, e o reflexo de sua própria história.
“Eu mudei a escola, mas a escola também me mudou. Aprendi a acreditar de novo.”
Hoje, com 43 anos, ele sonha mais alto: quer ver o modelo do Parque dos Sonhos se espalhar pelo Estado — e quem sabe, pelo mundo. “Quando era professor, eu mudava uma turma. Agora, uma escola. Daqui a pouco, uma cidade. E, quem sabe, o mundo.”
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No fundo, o menino do Grajaú nunca foi embora. Só aprendeu a sonhar — e a ensinar os outros a fazer o mesmo.