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Cotidiano

30% da comida vai para o lixo antes de chegar à mesa

1,3 bilhão de toneladas de alimentos são desperdiçadas no mundo, em um contexto onde uma em cada oito pessoas vai para cama com fome

Rafaella Martinez

Publicado em 29/10/2017 às 10:00

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O que chega até os consumidores finais é apenas 70% do que foi plantado originalmente / Rodrigo Montaldi/DL

Antes de ser consumido, o alimento passa por um longo processo que envolve o plantio, a colheita, o transporte e a comercialização. Imagine agora que o que chega até nós, os consumidores finais, é apenas 70% do que foi plantado originalmente: todo o restante foi desperdiçado ao longo desse processo. A situação evidencia um número preocupante: aproximadamente 1,3 bilhão de toneladas de alimentos são desperdiçadas no mundo, em um contexto onde uma em cada oito pessoas vai para cama com fome.

Os dados foram catalogados pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e nortearam o seminário ‘Desperdício de Alimentos e Desafios Nutricionais: conflitos da modernidade’, uma das atividades do Projeto Experimenta: Comida, Saúde e Cultura do Sesc São Paulo. O objetivo é alertar sobre o elevado nível de insegurança alimentar no Brasil e no Mundo e debater os impactos econômicos e ambientais que envolvem a questão.

De acordo com Walter Belik, professor titular de economia agrícola da Unicamp, para cumprir com Objetivo de Desenvolvimento Sustentável de número 2: Fome Zero até 2030, o Brasil precisa reduzir pela metade o número de desperdício de alimentos.

“O país já produz a quantidade correta de alimentos, no entanto, é preciso equacionar o desperdício para garantir a segurança alimentar e nutricional da população. Quatro dos 17 objetivos de desenvolvimento sustentável enfocam a questão da alimentação, com ênfase na produção local, na redução do desperdício de alimentos e na introdução dos pequenos produtores, dando destaque para o recorte de gênero”, afirma.

Para o especialista, a forma mais fácil para solucionar o problema envolve campanhas de conscientização e o pleno funcionamento de bancos de alimentos (na Baixada Santista, apenas Itanhaém mantém o serviço), bem como a descriminalização das doações de alimentos.

“Há um problema geral de divulgação e conhecimento. Muitas empresas têm grandes quantidades de perdas e dado o pânico de que algo pode passar se esse alimento for doado, eles acabam desperdiçando muito. Na verdade os bancos de alimentos já estão no Brasil há 30 anos e nunca houve nenhum caso de contaminação, pois os profissionais se responsabilizam pelo alimento. Conscientização e alguns canais que já existem poderiam ser melhor divulgados e poderiam estar mais disponíveis para população como um todo. Esse é o caminho”, conta.

Contrastes

O Brasil é um país que lida com dois extremos: são 7,2 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar grave. Por outro lado, 60% dos brasileiros estão com sobrepeso e 20%, obesos.

Embora o país tenha saído do Mapa da Fome em 2014, 3% dos brasileiros ainda estão subnutridos. Para Belik, é fundamental investir em políticas públicas de distribuição e combate ao desperdício para mudar esse cenário. “A questão do desperdício não entrou em nenhum planejamento do governo até 2015 e dado o contexto político atual, parece que nada vai acontecer. É essencial envolver a classe empresarial nesse debate”, finaliza.

‘Farinata fere direito humano à alimentação adequada’

No mês em que se comemora o Dia Mundial da Alimentação, uma polêmica ganhou os holofotes. Em São Paulo, o prefeito João Doria sancionou no último dia 8 o projeto de lei que instituiu a Política Municipal de Erradicação da Fome e de Promoção da Função Social dos Alimentos, abrindo um polêmico debate sobre o uso de farinata em merendas escolares e nas refeições destinadas para pessoas carentes.

“A alimentação não é um processo só biológico. O ato de se alimentar é um hábito e um ato social, que permeia muitas relações. Por esse motivo há a polêmica em relação à farinata, pois ela tiraria o que tem de humanidade nesse processo”, afirma a mestra em antropologia social Lis Blanco.

Na visão de Belik, a medida é um retrocesso de mais de 30 anos. “No Brasil, a alimentação é um direito garantido pela Constituição Federal. A legislação estabelece formas de utilização e reutilização de comida e não de um conteúdo nutricional cuja existência já vem acompanhada de diversos processos obscuros. Em minha visão os responsáveis deveriam responder criminalmente por essa proposta”, conta.

Para Fabíola Freire, coordenadora do Mesa no Sesc Santos, a farinata fere o direito humano de alimentação adequada. “A questão da alimentação não está só relacionada à quantidade, mas também a qualidade dos alimentos, respeitando a cultura alimentar daquela pessoa. Não é questão apenas de levar um alimento e querer que ele inclua na sua alimentação”, afirma.

Após a polêmica, João Doria voltou atrás e admitiu, no último dia 25, que não vai mais distribuir a farinata nas escolas municipais da capital paulista. O recuo ocorreu após entidades criticarem eventual descumprimento da legislação sobre alimentação escolar ao não submeter o produto a análises técnicas.

Nove mil moradores da Baixada são beneficiados pelo Mesa Brasil

Recolher o alimento próprio para o consumo nos locais onde ele sobra e destinar imediatamente para as áreas onde ele falta: esse é o objetivo do programa ‘Mesa Brasil’ do Sesc São Paulo. Criado em 1994, o projeto possui hoje 16 núcleos no Brasil com 44 veículos rodando diariamente dentro dessa logística. No total, mais de 167 mil pessoas já foram beneficiadas. Na Baixada Santista, 62 empresas mantém parceria, garantindo a complementação da alimentação de 9.200 pessoas que frequentam as atividades de 61 instituições cadastradas em Santos, São Vicente, Cubatão, Guarujá e Praia Grande.

“O principal objetivo do programa é coletar aqueles alimentos que perderam o valor comercial, mas ainda estão próprios para consumo. O trabalho é feito para que a gente possa recuperar esses alimentos, muitas vezes que estão muito maduros, deformados ou machucados e que ao invés de serem descartados possam ser encaminhados para as instituições sociais usarem como complemento de suas refeições”, afirma Fabíola Freire.

O processo começa na captação de empresas que produzem ou comercializam alimentos: supermercados, padarias, feiras livres e indústrias, por exemplo. Cada caminhão do projeto tem uma rota estabelecida para recolher os alimentos. Na empresa doadora, motorista e ajudante capacitados fazem o controle da qualidade e selecionam o que está próprio para o consumo.

As nutricionistas do programa orientam então para onde as doações devem ser levadas. No caso de produtos doados em grandes quantidades, o programa Mesa Brasil armazena esses alimentos em seu Centro de Capacitação e Armazenagem que funciona como ponto de apoio para as unidades que operam o programa.

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