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Cotidiano

25% da Baixada não têm coleta e esgoto tratado

Defasagem no saneamento da Região engloba também mais de 152 mil pessoas sem acesso à água potável.

Rafaella Martinez

Publicado em 15/09/2019 às 09:05

Atualizado em 16/09/2019 às 18:31

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Ainda no século 19: presidente do Trata Brasil destaca que o saneamento é uma das estruturas mais atrasadas do Brasil.. / NAIR BUENO/DIÁRIO DO LITORAL

A torneira seca é a rotina que acompanha Priscila Costa nos últimos 34 anos de vida. Moradora desde os 5 da Prainha, periferia de Vicente de Carvalho, em Guarujá, ela é uma das 152.341 pessoas da Baixada Santista que não tem acesso formal à rede pública de abastecimento de água. Os dados mais recentes, datados de 2017 e divulgados somente este ano pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), apontam outra realidade alarmante de uma das regiões mais importantes do Estado de São Paulo: 25% da população vive sem coleta e esgoto tratado, vulneráveis à doenças e defasagem no ensino, dentre todos os impactos desencadeados pela situação.

Embora seja um direito assegurado pela Constituição e definido pela Lei nº. 11.445/2007, o conjunto de serviços que englobam o saneamento básico ainda está longe de ser universalizado no Brasil: o mesmo levantamento apontou que o País tem 57 milhões de residências sem acesso à rede de esgoto e 24 milhões sem água encanada. Nas regiões litorâneas, o principal desafio está justamente no fornecimento dos serviços nas áreas de moradias irregulares.

"O que os governantes precisam ter em mente é que, independentemente dos motivos que levaram as pessoas a ocuparem áreas irregulares, hoje estamos aqui e fornecer ao menos água potável é garantir o mínimo de dignidade para centenas, milhares de crianças. Mesmo que após o assentamento as ligações sejam removidas. Negar água é desumano", afirma Priscila.

Para conseguir garantir o mínimo de água para as necessidades básicas, quem mora 'para dentro' das comunidades puxa mangueiras e utiliza bombas para dar vazão ao fornecimento. A Reportagem encontrou uma delas no chão de terra batida dentro da Prainha. O objetivo dos jovens que faziam o equipamento funcionar era garantir o fornecimento para as aproximadamente 15 moradias da viela.

Via de regra, o chão dos mais de 100 assentamentos irregulares da Baixada é cortado por diversas mangueiras que garantem o fornecimento precário de água. Já o esgoto, cuja esperança de fornecimento digno já foi perdida pela maioria dos moradores, segue dos banheiros improvisados das palafitas de madeira direto para a maré.

"O que as pessoas que moram do lado de lá não entendem é que tudo que acontece nas comunidades tem consequências. O abandono tem consequência também. Quando a poluição chega na praia, lembram que estamos aqui do outro lado, sem dignidade. Tudo está interligado. Da mesma forma, quando falta água em Vicente de Carvalho na temporada, a Prainha já está na seca faz tempo", destaca o morador Felipe Ferreira.

Édison Carlos, presidente do Instituto Trata Brasil, pondera que o saneamento é uma das estruturas mais atrasadas do Brasil. De acordo com ele, o país está no 'século 19' em alguns indicadores e é preciso um forte empenho do Poder Público para solucionar a questão. "Nas regiões litorâneas, de modo geral, temos situações recorrentes de baixa coleta e tratamento de esgoto e uma quantidade significativa de casas irregulares, o que leva o saneamento básico a depender de entrave, sendo o principal deles a ausência de regularização fundiária das áreas irregulares", destaca.

A impossibilidade por lei de atuar nos locais de ocupação irregular é justamente o apontamento feito pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) - empresa que detém a concessão dos serviços públicos de saneamento básico na Baixada - para justificar a defasagem. Por meio de nota, a empresa destaca que "mantém estreita parceria com as prefeituras para acompanhar os locais em processo de regularização fundiária e incluí-los ao planejamento de implantação de redes de água e de esgoto". 

Na base da pirâmide, epidemias são comuns

O lixo descartado de forma irregular se mistura com o esgoto que sai das residências em direção ao manguezal. No barraco improvisado de Andressa - onde a madeira deteriorada ameaça a segurança dela, do marido e de cinco crianças - uma caixa d'água faz a captação da água da chuva para que possa ser reaproveitada. O cuidado de não depender de ligações clandestinas, que muitas vezes fornecem água com qualidade inferior, não foi suficiente para evitar com que o filho mais novo, de 7 anos, fosse parar constantemente no posto de saúde.

"Ele é muito sensível a bactérias e não pode tomar a água que chega pelas mangueiras. Temos que filtrar e tomar uma série de cuidados, como evitar que ele pise descalço no chão. Mas não funciona, porque quando chove a maré sobe e os animais invadem a casa, já acordei até com caranguejo embaixo do travesseiro. Filho meu nunca teve verme e ele tem", desabafa.

Instrutor de jiu-jitsu em um projeto social que atua há mais de nove anos com crianças da Comunidade Aldeia, Felipe conta que diarreia, viroses e casos de hepatites são comuns e nem sempre considerados nos balanços oficiais de Saúde divulgados pelo município. "Quando uma criança fica doente é certeza que vai ter surto, não importante o quanto os pais se empenhem".

Os esforços seguem concentrados, no momento, em garantir com que ao menos a água chegue até essa parcela da população, destaca Édison. "A falta de saneamento tem impactos que vão além da questão de saúde pública: é um problema social e também econômico. É comprovado que crianças que vivem em regiões sem saneamento perdem parte da capacidade de aprendizado, por exemplo. O turismo é impactado e até mesmo o valor dos imóveis despencam quando estão próximos de regiões sem esgoto tratado, causando prejuízos para a economia local. A questão pede um olhar diferenciado e urgente dos governantes", enfatiza.

Universalização - quem paga essa conta?

Atualmente em discussão no Senado, a PL 3.261/2019 prevê um novo conjunto de regras para o saneamento básico no Brasil. O marco regulatório foi apresentado por Tasso Jereissati (PSDB-CE) para substituir a Medida Provisória 868/2018, que perdeu a validade antes de ser votada. A ideia é que votação na Câmara dos Deputados ocorra ainda este ano. A proposta abre caminho para a exploração privada dos serviços. Para os defensores da ideia, um avanço que vai permitir a melhora do setor e a maior cobertura para a população. Os críticos do projeto, por sua vez, alegam que as empresas privadas vão querer operar apenas nos grandes centros urbanos, onde seria mais rentável, deixando cidades menores e mais afastadas de lado.

"Pelo ritmo atual, a universalização do conjunto dos serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza e drenagem urbana e manejos de resíduos sólidos ocorrerá apenas em 2050. Seriam necessários R$ 500 bilhões para resolver o problema e não existe esse recurso no setor público", pondera Édison. Na Baixada, a Sabesp destaca que investiu em 11 anos (de 2007 a 2017), nas nove cidades da região, mais de R$ 1 milhão por dia (um total de R$ 4 bilhões). São investimentos dos projetos Água no Litoral e Onda Limpa, para manter universalizado o sistema integrado de abastecimento público e ampliar a coleta dos esgotos, mantendo o tratamento a 100% do coletado.

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