Olhar Filosófico
De sonho em sonho, construí meu ninho
FREEPIK/EYEEM
Continua depois da publicidade
Faz tempo. Faz tempo mesmo. Muito tempo.
Sonhei que tocava o amor com as mãos e parte do corpo, como se entrasse num redemoinho ou carrossel em alta rotação. Sonhei devagar, bem devagarinho e lembrei de um outro sonho em que chamava cavalos marinhos para me puxar para dentro do mar. E antecipei o nado, antecipei o estado de natureza em que me encontraria com aqueles cavalinhos curiosos que escolheram se retrair, diminuir, se enrolar e viver embaixo d’água.
Continua depois da publicidade
De sonho em sonho, construí meu ninho e no fim das contas caminhei voando, como preso em gaiola de asas ou ou bexiga nutrida por hélio.
Um mundo neon me habita enquanto eu mesmo habito o abismo do tempo e rascunho poemas, e escrevo músicas e me inspiro em livros, filmes e aquela pessoa. Olhos profundos, lagoa. Mergulho fundo, destoa. De tudo um pouco e há pouco fui carinho, hoje me espanto.
Continua depois da publicidade
Dia desses, entre os espaços em que não sonho, a realidade se impõe e pronto. Espero alegre o destino, mesmo não acreditando. Espero o desatino, mesmo não acreditando. Espero em breve o sorriso, mesmo me equivocando. Na vida óbvia que levo, fora do sonho, bom que se diga, carrego nas costas o mundo, os cacos de vidro do tempo. Produzo metáforas ao vento, e ao vento inspiro um tanto de ousadia. Não sou velho nem menino, sou um homem em desarmonia que quando sonha reflete e cria, passa e não ouve a gritaria. Desço degraus, aumento a temperatura e nada me convence de que o Sol se põe e se cala, como se os raios não fossem sua língua. E não quero vela que apaga, quero lua que predomina. Talvez por isso sonhe mais e, ainda, quem sabe, sonhe melhor. Regulo a eficiência energética, com aquele que não compensa, só gasto os quilowatts necessários. Nem lâmpada acenderia. Se pararmos para pensar com bom senso e alegria, sabemos que daqui nada se leva, conversa mole menos ainda. Tem gente que só faz gastar energia. Buraco negro e terra arrasada. É olhar com pena e seguir em frente, não cair na própria cilada. De ouvir mais e melhor aquele que não fala nada.
Pesadelos também me afligiam, no passado não tão distante. Dormi mil vezes com agonias, e mil vezes senti uma força,mas era um passo em falso que saía.Pesadelo um dia sim no outro talvez. E na prova dos nove, o sonho era mais contínuo, e pagava muito mais do que qualquer pesadelo. Se você olhar fixamente para um ponto cego, mas desde que na natureza esteja, esse ponto é translúcido e meu corpo um copo vazio que se preenche de ar e afeto.
Não posso me lembrar de tudo, como não posso saber dos sentidos que nos guiam. Quando sonho, estou entregue, memória, mãos e pés, sentimento daquilo que é. E eu sou! Coisa que pensa, diria Descartes, coisa que sente, diria um grilo, um pássaro, um beija-flor e uma cotia. Num terceiro momento, com muitos sonhos, ergui um castelo, ofereci a ela, mas seus olhos não me habitam. Cantei um hino, inventei cem cantigas, e ela nada, seus olhos não me habitam. Dona de si e de mim, dona da casa e da morada, seus olhos em mim não habitam. Meu nome permanece o mesmo, o mesmo senso de calmaria, seu nome permanece o mesmo? Seu nome ainda me alucina? Pois se te chamo à noite, preciso saber, para onde corro e levo a minha vida.
Continua depois da publicidade
Queria que o girassol lhe dissesse, que busca a claridade infinita, só para ver o que sente, só para sentir o que pensa. Quem sabe eu não apareço e faço truques e pirotecnias. E você se permita só um pouquinho, morar nos meus pés, um caminho.
Mas faz tempo. Faz tempo mesmo. Muito tempo.
Sonhei que tocava o amor com as mãos e parte do corpo, o seu amor e nossas partes do corpo, como se entrasse num redemoinho ou carrossel de parquinho. Sonhei devagar, bem devagarinho. E você nunca estava lá, nem de noite nem de dia, nem de lado ou manhãzinha. No meu sonho, portanto, sobram imagens minhas e um monte, mas um monte mesmo de centenas de quinquilharias.
Continua depois da publicidade
Continua depois da publicidade