Olhar Filosófico

Um quase morto ainda mais vivo

Há exatos vinte e oito dias, quase morri

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Há exatos vinte e oito dias, quase morri num acidente de automóvel. O carro morreu, eu ainda não.

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Terrível e tenebroso. Batida, estrondo, quase morto, quase morte, ainda vivo. Nem alguém machucado, nem bicho morto ou ferido. Amém! Eu e a tragédia, o drama da finitude de quase fim, ponto final. 

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A parte poética da coisa, em minha cabeça de criações vitais e involuntárias, foi assim: madrugada, pista, rodovia, acordado, emprego, bem de cabeça, forte de coração, tudo certo.

Uma descida, tempo bom, escuro, mato, cheiro de mata atlântica, sonhos e certezas, esperanças e pressa do futuro de viver o que há de tudo em tudo para viver. De bem com o tempo, expandido no espaço, só cansado de um passado que se foi e deve-se ir para sempre mesmo, rápido.

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No pé da descida, um vento forte, de segundos, momentâneo, quantum. Uma capivara, um cão, um gato-do-mato, um ratão da mata, uma cotia, enfim, um ser irmão que em situação outra, virava foto e paisagem de paixão pelo pertencimento igualitário de um mundo bom e único, apesar dos pesares e das vozes do ódio.

Freio, um único pensamento, aliás, frear devagar e várias vezes, não capotar, não capotar, sobe o pé direito, desce o pé direito, sobe o pé direi… desce o pé… sobe o… desc… Gira, gira, gira, primeiro para a direita e à direita um desfiladeiro de bons dez metros e aquele rio no meio (e de tudo isso só soube depois), agora para esquerda, gira, gira, gira, gira, e à esquerda buraco, terra, vala, vala, vala e rochas, parede de rocha, rochão. 

Em milésimos de microsegundos, eu tentando entender em que tipo de oco profundo caíra. Sair do carro (que dava um estouro a cada giro e um estrondo de costas pra pedra), escalar a saída daquele fundo, húmus, entender o que se sucedera, meio lama, mãos, pés na terra e a sensação de ter morrido, de estar morto, quase morto. Entro novamente duas vezes no valão, caio, procuro o meu corpo, onde estaria? Ligo a lanterna do celular (!) e investigo cada centímetro daquele resto de automóvel, daquele oco de mata, terra e pedra. Cadê meu corpo, inteiro ou em pedaços, cadê eu? Onde? Era aquilo o inferno, céu, limbo, nada, ateu, deus, deuses, deusa, bichos, energia, força, cósmico? (E a vala era um covil, serpentário, assim dito, a seco, pelo guincheiro que chegaria mais tarde - surucucus, jararacas, corais, animais outros e mais).

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Horas, solidão, um rosto aflito, um espírito fugaz, angústia e um gosto estranho de satisfação, de quase perder injustamente (culpando o divino e o cabuloso) todo o resto de uma vida plena, de se permitir dar e receber, ser e estar, poder fazer diferente, novo, para mim, para ela e para um monte de gente.

 Quase morto. Ainda vivo. O mundo me sorri e a socorrista me lembra a data para comemorar esse novo nascimento, primeiro dia de Setembro do ano de dois mil e vinte e cinco! Agradeço-lhe e, surpreso, devolvo-lhe uma pergunta: Todos nós aqui estamos mortos, certo? Adrenalina, cortisol, desequilíbrio e essa vontade indômita do organismo vivo de não querer morrer. Essa certeza cética de ainda estar-se vivo. Fato, eu, um quase morto ainda mais vivo!
E, por tudo isso, quebro o protocolo de cronista dos detalhes da existência, de filósofo das vírgulas da vida, de poeta das insignificâncias que me dão o sentido do cosmo, para lembrar-nos (a todos), do que talvez seja o básico simples e mais complexo e fundamental da existência, o amor! 

Pois, “ainda que falássemos as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine.” Afinal, “é só o amor que conhece o que é verdade, o amor é bom, não quer o mal, não sente inveja ou se envaidece”, ele “é um não querer mais que bem-querer; é um andar solitário entre a gente; é nunca contentar se de contente; é um cuidar que ganha em se perder.”

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Portanto, entre poetas, profetas, amigos e maltrapilhos, sabemos que não existe fórmula mágica para encarar e fazer valer a pena um novo dia (todo novo dia há de ser um ano novo), mas penso existir uma chave para qualquer dia de qualquer ano, há milênios!

Para quem crê, se Deus liberta da morte, é só o amor que salva.

Para quem não crê, se depois do fim nada há, é o amor quem dá sentido ao agora.

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Só o amor, criado por nós e para nós, pode dar o tom da música que chamamos de existência! Para tudo o que de mais profundo se deseja, paz, saúde, alegria, enfim, só com amor tudo é passível de realização plena de um sentido maior!

Escolham o amor, o amor-próprio, o amor-ao-próximo!!

Tomem decisões profundamente baseadas no amor. Começando ou terminando ciclos, olhando o céu, agradecendo a chuva, sorrindo para o sol ou cantando sob a lua, ame!!

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O amor nunca decepciona, nunca desiste. Às vezes, começa incompreendido, mas sempre termina onde deve terminar: na doação aos outros que cativamos (e somos cativados) e na aceitação plena de si mesmo!

Que o amor seja nossa medida, sabendo que a medida do amor é não ter medida alguma!
Se a vida vale a pena, é o amor que vale a vida!! 

Amem mais, amem sempre e, com ou sem acento, amém!

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