Olhar Filosófico

Tudo, tudo, tudo

Busquei uma pista como detetive em princípio de carreira

Foto de Hassan Ouajbir/Pexels

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Enxerguei um ponto branco, um ponto vago, um buraco de montanha, furo de nuvem. Um ponto de vista, um ponto de liga, um ponto de inflexão, um ponto da ponte. Saltar. Saltei.

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Senti o frio e contemplei o abismo que, como o filósofo alemão bigodudo, Frederico nos disse, "quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você.” E, assim, “para além do bem e do mal”. Contemplei de perto e, de fato, ele piscou para mim, digo, o abismo. Olhar de jacaré, de cobra enrolada no galho, de sapo coaxando de madrugada aos pés de um igarapé. Olhar de reflexão e calma que tudo vê. Natureza Leviatã, mas sem condenação moral ou perseguição imperial ou conotação religiosa. Um monstrengo simples, honrado e bonachão, e só. E isso é o todo.

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Busquei uma pista como detetive em princípio de carreira que acha que está ainda num seriado americano. Lógico, assertivo, certeiro e levemente confuso.

E ao perseguir a pista, despistei, saí para o lado, caixa de brita e num passe de mágicas, advinha, me passava já e muito por investigador experiente. Calmo, sem surpresas ou arroubos efusivos. Olhei para a pista no ponto branco, vago, vazio e disse a mim mesmo, é por ali homem. Garoto, garota, urgente, é por ali. Um tempo de ser feliz, a tempo de ser feliz e ainda um pouco desajustado. Mundo caduco, sem caminho claro. Mas para quê, afinal, descobri uma pista e segui o ponto cego que me levou direto ao âmago do meu mundo, parque de dinossauros sem Hollywood ou pirotecnia, parque de maravilhas e desafios. Escolhi novamente, mais um dia para entrar para sempre, para o sempre da história que construo como pequena poeira de estrelas empoeiradas. Carbono, água, pele e essa vontade afirmativa. 

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Encontrei uma Harpia, de longe, pois não arrisquei chegar tão perto, e, ainda assim, ela me mostrava um caminho, talvez até mesmo o caminho. Escolhi. Caminho de pedras e areia sem pegadas, caminho das águas e das plantas, caminho de raiz e com a certeza de ser alguém e ‘alguéns’ na estradinha para os sertões do tempo. Diferentemente de Lewis Carroll, não criei na imaginação ou tirei da cartola, um gato falante, era uma Harpia bem real e apontava com as asas esse caminho descrito aí, aqui, ali. Nada de “cortem as cabeças!”, só “vai e segue!”. 

Assim, quase pude perceber a importância daquele bicho-real para mim e a minha importância para ela. Aquele olhar que olha ao longe, longe, mas tão longe que inspira poetas e lunetas a buscarem copiar esse mesmo fenômeno. Harpia mesmo, Espécie: H. harpyja, Família: Accipitridae, Filo: Chordata. Harpia rainha, de carne, osso, pena e certezas. Encontrei! Eureka! Encontrar, descobrir, inventar, recriar o espaço do aconchego e tudo ali, nas cartilagens seguras daquela raridade monstruosa, gigante, majestosa.

Corri para o lago, depois do abismo e do ponto branco, e depois da pista e da Harpia, aquele mistério claro e insondável ao mesmo tempo. O lago. Um lugar de flores e campos isolados, aquele lago, largo e profundo, quase como Raul cantara para um deus que é todas as coisas, “sou raso. Largo, profundo.” Quase, mas não igual, por óbvio. Nada raso. Sem dar pés e dando é sonhos, e sons. Lago do fim do mundo, sem apocalipse, sem trombeta ou subterfúgio. Fim do mundo e início do infinito (particular ou absoluto), afinal, dar sentido é transar um destino, construir uma colmeia para partilhar o mel, lamber os beiços, amar o universo na mente, no corpo e no céu da boca. Estrelas e esferas celestes, lago que reflete a alma, mergulho que integra a calma de ser, a fagulha de estar. Afinal, “Tudo que move é sagrado/ E remove as montanhas/ Com todo cuidado, meu amor/ Enquanto a chama arder/ Todo dia te ver passar/ Tudo viver ao teu lado/ Com o arco da promessa/ No azul pintado pra durar/ Abelha fazendo mel/ Vale o tempo que não voou/ A estrela caiu do céu/ O pedido que se pensou/ O destino que se cumpriu/ De sentir seu calor/ E ser todo/ Todo dia é de viver/ Para ser o que for/ E ser tudo/ Sim, todo amor é sagrado/ E o fruto do trabalho/ É mais que sagrado, meu amor”, e tudo está dito! E isso é tudo.

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