A poesia é a melodia literária. Quem nasceu com o dom de produzi-la é um bem-aventurado. Os poemas encantam, harmonizam e desarmam. Não há quem não se enterneça ao ouvir um verso bem declamado.
Ocorre que nem todos são providos desse regalo precioso, generosa doação da Providência. Há quem se devota a escrever com abundante esforço e não consiga traduzir o que lhe vai n’alma. Não esmorece e persevera. Só que a obra não reflete o sacrifício investido ao fazê-la. Nem todos são os Fernando Pessoas, os Vinicius, os Bilac, os Guilherme de Almeida, os Vicente de Carvalho, os Paulo Bomfim e tantos outros que nos deleitam com obras imperecíveis.
Amigos da poesia entregam-se a enaltecê-la, tornando-se mecenas patrocinadores de publicações poéticas. Assim aconteceu com Rodrigo Otávio, que publicava a “Renascença”, revista de inegável bom gosto, no Rio antigo. Um dia ele recebe colaboração em versos de um desembargador.
Era a versificação de uma fábula de L Fontaine. Examinado com rigor, era muito fraca. Rodrigo Otávio sobrevivia de sua banca de advogado e não podia recusar o poema, deixando de publicá-lo. Criou coragem e foi emendando a obra capenga do magistrado, alterando aqui, cortando ali, acrescentando mais adiante. Ao final, quase nada restava do primitivo original, a não ser a ideia do autor.
Tirou uma prova tipográfica e a encaminhou ao magistrado. Ao encontrar-se com ele no Tribunal, o poeta vem ao encontro de Rodrigo Otávio com os braços e sorrisos abertos: “Muito obrigado! Não há nada como a letra de forma. Ao ler meus versos impressos, vi que eram muito melhores do que eu imaginava!”.
Assim, nessa versão nova, é que foram publicados na revista “Renascença” e todos ficaram muito felizes.
Seja como for, escrever poesia, ainda que não seja das melhores, é preferível sempre a destilar ódio, ira, aleivosia, ofensa, ressentimento ou qualquer outra fealdade, coisa rotineira nesta era de polarização. Mas que faltam Rodrigos Otávios para burilar produções canhestras, isso é verdade