'Depois da Caçada' cutuca a ferida da cultura do cancelamento

Polêmico, o cineasta Luca Guadagnino é um dos que mais têm entregado obras que chamam a atenção no mundo, seja com "Me Chame Pelo Seu Nome", "Rivais" ou, mais recentemente, "Queer".

Indo um pouco na contramão de seus últimos títulos, em "Depois da Caçada" ele não apenas apresenta um tema político, como também uma crítica ambígua à cultura do cancelamento.

A história gira em torno da professora universitária Alma (Julia Roberts), que é pega de surpresa com a alegação de que sua aluna Maggie (Ayo Edebiri) teria sido supostamente abusada sexualmente por seu professor Hank (Andrew Garfield), que também é seu amigo próximo. Então, ela se vê em um dilema: qual dos dois lados deve apoiar?

O roteiro de Nora Garrett procura, em momento algum, julgar qual dos lados está certo, mas plantar a semente da dúvida de Alma também no próprio espectador. Se em um momento vemos Maggie assustada, no outro vemos Hank comendo em uma lanchonete com Alma, demonstrando uma incerteza apenas pela forma como ele se comporta.

A direção de Guadagnino, pode-se dizer, não apenas deixa espaço para o trio brilhar nesses momentos, como também utiliza uma trilha sonora e melodias incômodas, tudo com o propósito de transparecer a bagunça na vida dos personagens.

No meio do caos, pode-se dizer que o verdadeiro equilíbrio entre todas essas pontes é o marido de Alma, Frederik (Michael Stuhlbarg). Sendo o mais “zen” da situação, ele sempre aparece em cena para servir de apoio ao trio ou inserir alguma música com o propósito mencionado. A única exceção, curiosamente, são as canções interpretadas pelo brasileiro Caetano Veloso.

Com relação às críticas à cultura do cancelamento, Garrett é sucinta ao demonstrar o que realmente acontece na sociedade quando alguém é alvo de acusações graves, principalmente quando uma das partes é vista como uma “minoria”. Não existem provas concretas ou evidências, apenas declarações.

Nisso, Guadagnino acerta em cheio em dois momentos que englobam esses tópicos: o arco da demissão de Hank e uma sequência de discussão entre Alma e Maggie. Esta última, inclusive, mostra o quão excelentes são as atuações de Roberts e Edebiri.

Em tempos de queda da cultura do cancelamento, "Depois da Caçada" chega na hora certa e planta no espectador a seguinte pergunta: valeu a pena aplicar sanções a pessoas sem sabermos, de fato, toda a verdade sobre alguns casos?