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Grupos no WhatsApp ignoram história, negam Holocausto e propagam o nazismo

Imagens do alemão Adolf Hitler (1889-1945) e do italiano Benito Mussolini (1883-1945) são frequentes, assim como a negação do Holocausto judeu, a hostilidade a imigrantes e a defesa do nacionalismo.

Folhapress

Publicado em 25/08/2019 às 13:05

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Imagens do alemão Adolf Hitler (1889-1945) e do italiano Benito Mussolini (1883-1945) são frequentes. / Reprodução/Internet

Às 17h35 da última terça-feira (20), uma pessoa identificada como Bressan fez um desabafo num grupo de WhatsApp. "Sou capaz de morrer por este país, queria matar os maçons, os deputados, os sionistas, todos esses hereges." Finalizou com "Heil Hitler", saudação nazista que significa Salve Hitler.

Três minutos depois, Rael, que tem a figura de uma suástica ao lado de seu nome, respondeu: "Heil Hitler".
Foi seguido por um terceiro membro da comunidade virtual, chamado Luiz Gustavo: "Meus parabéns, irmão, mandou bem d +, Heil Hitler".

Incluiu seis emojis de uma mão espalmada e seis de um bonequinho com o braço levantado, imitando o gesto de seguidores do ditador alemão.

O diálogo ocorreu no grupo Fascismo Vive, criado em 10 de agosto e que até quinta (22) reunia 80 participantes.

Nas últimas duas semanas, a Folha de S.Paulo acompanhou incógnita esse e outros grupos de extrema direita ativos no WhatsApp, a maioria deles formados recentemente.

Imagens do alemão Adolf Hitler (1889-1945) e do italiano Benito Mussolini (1883-1945) são frequentes, assim como a negação do Holocausto judeu, a hostilidade a imigrantes e a defesa do nacionalismo.

Além dos líderes nazifascistas, são louvadas figuras como o integralista Plínio Salgado (1895-1975), o ditador português Antonio Salazar (1889-1970) e o deputado federal Enéas Carneiro (1938-2007).

Há ainda vasto compartilhamento de links e memes contra o PT e a esquerda em geral. Já a defesa do governo Jair Bolsonaro (PSL) não é unanimidade -parte dos membros o consideram liberal demais.

A entrada ocorre por meio de links que circulam em grupos extremistas do WhatsApp.
Criado em 20 de maio deste ano, o grupo Recrutamento Fascista tinha 87 membros na semana passada. Entre seus motes estão "antissionismo, contra tudo e todos que propagam e financiam o Estado de Israel" e "antiglobalismo, contra toda agenda da ONU e toda degeneração imposta pela putada internacional".

No dia 14 de agosto, um membro identificado como Gabriel fez um pedido: "Alguém manda o hino da SS, por favor", em referência à organização paramilitar de Hitler. Em dez minutos apareceu um link com o áudio no grupo.

Pouco depois, outra pessoa compartilhou a íntegra do livro "Minha Luta", de Hitler. Um usuário de nome Anderson sugeriu que se fizesse uma versão audiobook, ao que Salazar, um dos administradores do grupo, completou, para diversão de outros membros: "Yeah. Na voz do Cid Moreira".

A negação do genocídio dos judeus na Segunda Guerra é tema constante. Circulam textos de negacionistas como o gaúcho de origem alemã Siegfried Ellwanger Castan (1928-2010) e o francês Robert Faurisson (1929-2018).

Para eles, a existência de campos de concentração e câmaras de gás, amplamente provados historicamente, são farsas criadas por um suposto lobby judaico internacional.

Também é frequente o compartilhamento de um vídeo que supostamente provaria que o campo de Treblinka, na Polônia, onde morreram 900 mil judeus, nunca existiu.

Há ainda montagens da Estrela de David, símbolo do judaísmo, com imagens de ratos, e figurinhas da bandeira de Israel queimando. "Sieg Heil", saudação nazista que significa "Viva a Vitória", é um cumprimento comum.
No grupo Integração, criado em 2018 e com 255 membros, é comum o cumprimento "Anauê", dos integralistas.

Há diversas críticas a uma suposta conspiração comunista internacional, capitaneada pela China, contra os interesses brasileiros. "Os comunistas-chineses têm financiamento da China para abrir comércio no Brasil. Já o brasileiro é abandonado pelo Estado, que deveria protegê-lo desses abusos", disse um participante.

Linha parecida segue o Corrente Nacionalista. Criado no último dia 6 de agosto e com 201 participantes, define-se como um "grupo nacionalista da Terceira Política", termo utilizado pela extrema direita para se distinguir dos liberais capitalistas e dos comunistas.

Os diálogos em geral ficam nos campos da retórica e da propaganda. Nos dias em que a Folha acompanhou os grupos, não foi possível identificar ações concretas de violência sendo tramadas.

Ainda assim, há frases agressivas como "tem que criar um Exército particular e exterminar comunista e LGBTs" e "odeio argentinos. Falam e falam do nosso país. E são esses fudidos encrencados".

Membros que ousem postar algo que destoe do pensamento geral do grupo são prontamente expelidos. "Eliminei um puto comunista", disse um membro do grupo Fascismo Vive identificado como Emerson. "Me senti membro da Gestapo agora kkk", respondeu Augustinho, outro integrante, em referência à polícia secreta de Hitler.

Quanto a Bolsonaro, a maior parte das opiniões é favorável, muitas vezes colocando-o como vítima de um sistema que não o deixa governar.

"A culpa não é do governo Bolsonaro! E sim dos grandes poderosos políticos, empresários, militares! Infelizmente o governo Bolsonaro trabalha sob pressão todo dia!", declarou o usuário Ferreira, do grupo Integração.

Para Jó, outro membro do grupo, contudo, o presidente decepcionou. "Anauê, irmãos e irmãs, guerreiros e guerreiras. Houve muitos motivos para votar nele em 2018, os principais a questão das armas e a necessidade de afastar o PT do poder. Mas nós não compactuamos com a escolha do Bolsonaro em se tornar liberal."

O eletricista desempregado Matheus Roque, 20, é um dos administradores do grupo Fascismo Vive, mas se mostrou surpreso quando a Folha o procurou. "Nem sei como fui parar lá", afirma ele, morador de Guarulhos (SP).

Roque se diz admirador de Mussolini e Hitler por pregar ordem e disciplina. "Hitler foi o único que teve coragem de defender a Europa. Hoje só vemos degeneração", diz ele, que vê contradições nos relatos de historiadores sobre o genocídio. "Só mostram uma versão, não os dois lados da moeda", afirmou, sem expandir seu raciocínio.

Ele afirma ser contra a presença de imigrantes no Brasil, mas não defende violência contra eles. "Sou um cara tranquilo", afirmou.

Principal representante da comunidade judaica no Brasil, a Conib (Confederação Israelita do Brasil) afirma que a propagação desse tipo de discurso pelo WhatsApp é algo relativamente recente. Antes, os meios mais utilizados eram Facebook, Google e YouTube.

"Temos que separar o que é liberdade de expressão do que é algo que possa incitar a violência. Não queremos banalizar a questão", afirma Rony Vainzof, secretário da entidade.

Para a Conib, o negacionismo do Holocausto é uma forma de antissemitismo. "Mas é necessário haver materialidade para que seja considerado algo ilícito. Não adianta fechar um grupo hoje e amanhã aparecer outro", afirma Vainzof.

Na lei brasileira, o discurso de ódio não tem tipificação própria e geralmente é enquadrado como racismo, injúria racial ou incitação ao crime.

Segundo Octávio Aronis, diretor de Segurança da Conib, a entidade tem informado à polícia sobre casos de incitação à violência, dependendo do grau de agressividade.

A Conib também apoia uma ação no Supremo para derrubar o artigo 19 do Marco Civil da Internet, que limita a responsabilidade das plataformas digitais por conteúdo gerado por terceiros.

Em 2003, o STF se debruçou sobre os limites à liberdade de expressão num caso considerado paradigmático. Por 8 votos a 3, os ministros condenaram o gaúcho Siegfried Ellwanger por racismo, em razão de livros que publicou negando o Holocausto.

Para Oscar Vilhena, diretor da Faculdade de Direito da FGV-SP e colunista da Folha, o STF adotou um entendimento comum na Europa, que viveu na pele o nazismo.

"O modelo europeu é que você tem de ter um ambiente saudável de tolerância e não pode aceitar certos discursos que desequilibram o debate", afirma.

Ele se inclina, contudo, pela visão mais comum nos EUA, de permitir o debate por pior que seja, a menos que exista um perigo real e imediato de ato de violência. "Prefiro saber o que essas pessoas estão falando, mostrar que são deploráveis e um perigo para a democracia. Proibir pode ser contraproducente, porque esses grupos passam a funcionar de maneira clandestina", diz.

O WhatsApp declarou que condena o discurso de ódio.

"Como serviço de mensagens, não temos acesso às mensagens privadas compartilhadas pelas pessoas. Além disso, não há ferramenta de busca de grupos disponível no WhatsApp", disse, em nota.

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