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Depois de avanços tecnológicos, medicina deve mirar na empatia

Nos dias que antecederam o Dia do Médico (18 de outubro), a reportagem conversou com profissionais para coletar suas impressões sobre a carreira

Folhapress

Publicado em 18/10/2018 às 22:20

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O foco da atuação médica deve ser cada vez menos o controle sobre o destino do paciente e mais a mediação / Reprodução

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Médicos sempre ocuparam uma posição de prestígio na sociedade. Afinal, cuidar do maior bem de indivíduo -a vida- não é algo trivial. Embora a finalidade do ofício permaneça essencialmente a mesma, o modus operandi mudou drasticamente com o tempo.

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Nos dias que antecederam o Dia do Médico (18 de outubro), a reportagem conversou com profissionais para coletar suas impressões sobre a carreira, as mudanças nela e o futuro da profissão.

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O que se pode afirmar é que o foco da atuação médica deve ser cada vez menos o controle sobre o destino do paciente e mais a mediação, o desenvolvimento e a interpretação de tecnologias, incluindo a famigerada inteligência artificial. Já o lado humanístico, que perdeu espaço para os exames e as máquinas, tende a recuperar cada vez mais sua importância.

De meados do século 20 até agora, concomitantemente à proliferação das especialidades e subespecialidades médicas, houve grande avanço tecnológico e a proliferação de modalidades de exames, para ver, por exemplo, as células potencialmente cancerígenas do colo de útero no exame de Papanicolau, cálculos renais em tomografias ou ainda aferir a presença de anticorpos anti-HIV no sangue, indicando infecção pelo vírus -entre tantos outros.

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Crescia o catálogo dos laboratórios e também a dependência do médico em relação a esses exames. A impressão dos pacientes passou a ser a de que o cuidado é ruim se o médico não solicita exames. Isso num contexto em que o tempo de interação entre paciente e médico é diminuto -tudo para aumentar a eficiência, ou seja, o número de consultas por período.

O tema é caro a Jayme Murahovschi, 86, uma das maiores referências em pediatria no país. "Tem que haver progressão tecnológica, claro, mas mais importante que isso é a ligação emocional com o paciente. Hoje médicos pedem muitos exames e os pacientes também demandam. Eu peço o básico às vezes só para não dizer que é só a minha opinião."

Murahovschi está entre os que acreditam que a profissão está sofrendo uma nova reviravolta, quase que voltando às origens clássicas, hipocráticas: "Os médicos do futuro, os que sobrarem, vão ter que ter que conhecer o paciente a fundo, dar toda a atenção que ele precisa, usando muita tecnologia, mas com foco no paciente."

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Mas vai faltar médico no futuro? Alguns profissionais poderiam migrar para uma medicina mais técnica, preveem analistas.

Esses doutores teriam uma função diferente, atuando na interface entre conhecimento biomédico e a tecnologia por trás de plataformas de diagnóstico por imagem e reabilitação (já há um curso com esse desenho na Holanda). Ou ainda atuariam alimentando uma plataforma de inteligência artificial com dados e/ou reformulando seus algoritmos, tornando-a mais esperta.

Um exemplo já vigente de inteligência artificial é a plataforma Watson, da IBM. Apesar de ter vocação em múltiplas áreas, a entidade tem se mostrado eficaz no processamento de informação médica e na seleção de tratamentos para pacientes com câncer.

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"Alguns médicos não vão ter nem que interpretar o resultado, que vem de uma caixa preta, mas traduzir a consequência para o paciente e ajudá-lo, com empatia, a buscar uma ou outra alternativa para lidar com o problema", diz o professor de oftalmologia da Unifesp Paulo Schor, 53, entusiasta de novas tecnologias.
Para Schor esse protagonismo retomado pelos pacientes é sinal para a prática médica voltar às suas raízes. "É uma razão para explicar o raciocínio clínico e para que serve cada exame que ele está pedindo e de tratar o paciente como um ser pensante."

Na medicina privada, afirma ele, nunca esteve tão evidente a necessidade que os pacientes têm de serem ouvidos.

Outra tecnologia do futuro já presente, lembram Schor e Murahovschi, é a telemedicina, que descentraliza a realização de consultas e exames. Clínicas pequenas e médicos generalistas podem contar com laudos de especialistas de locais distantes, rapidamente, pela internet; uma junta médica pode discutir, remotamente, diversos casos de pacientes; seria possível até realizar algumas consultas propriamente ditas a distância, embora haja restrições do CFM nesse sentido.

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Até cirurgias podem ser feitas a distância,com o advento da cirurgia robótica. O tema continua fascinando médicos e pacientes, mas, por enquanto, nada de droides médicos à la Star Wars -quem controla o robô ainda é uma pessoa.

"A laparoscopia, uns 30 anos atrás, já havia sido um grande avanço. Com furos no tórax, abdome e pelve era possível fazer uma cirurgia com invasão mínima e o paciente já podia ir pra casa no dia seguinte. O problema é quando ela dá errado e tem que abrir o paciente. Poucos entre os novos cirurgiões fazem isso bem", afirma o psiquiatra Jorge da Costa e Silva, 76, presidente da Academia Nacional de Medicina.
Segundo o psiquiatra, quase nenhum profissional de 65, 70 anos quer aprender a cirurgia robótica.

"Quando eles dominam a técnica, precisam passar outros 20 anos se aperfeiçoando. Costumo dizer que aquilo é uma espécie de videogame."

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Mas, pensando no futuro, o papel que esses médicos podem exercer é o de "ponte" entre o conhecimento do passado e a inteligência artificial, que, segundo profetiza Costa e Silva, será onipresente na medicina.
Hoje as UTIs e até os consultórios têm recebido equipamentos ligados a uma inteligência artificial, sugerindo condutas e analisando exames baseado nas montanhas de dados que produzimos (o chamado big data), diz Costa e Silva. "Nos EUA e em outros lugares do mundo, o prontuário eletrônico é realidade. A receita também vai ser, e vai estar num cartão que pode ser lido na farmácia. O banco de dados registra se o paciente comprou ou não o remédio", afirma. Um porém: "O sigilo médico não existe mais", diz o psiquiatra.

Costa e Silva (que não tem parentesco com o marechal Arthur, 27º presidente do Brasil) gosta de um outro tema futurológico em particular: o transumanismo -área de estudo que, essencialmente, avalia possibilidades de a condição humana se alterar por meio da tecnologia. "É bom poder falar sem compromisso de dar respostas definitivas", brinca.

Entre as hipóteses aventadas está a de fazer download de informações diretamente para a mente ("Eu sei kung fu", uma coisa meio "Matrix") ou fazer o upload da própria mente para dispositivos externos, como robôs ou mesmo na nuvem, alternando-se entre dispositivos (algo parecido acontece no filme "Ela").

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"Hoje já são dezenas de milhares de dispositivos que podem substituir diversas partes do corpo, como um olho, uma mão, um rim ou um pâncreas. Já o cérebro, apesar de ser um órgão maravilhoso e altamente complexo, sofre com alzheimer, parkinson e a deterioração pela idade... Não tenho nada contra, se a mente encontrar um material melhor, que ela continue evoluindo fora do cérebro. Ela talvez seja um fenômeno cósmico", diz Costa e Silva.

Essa caminhada transgressora já teria começado, afirma o psiquiatra: dificilmente alguém chega aos 70, 80, anos sem uma prótese de joelho, de quadril, um marcapasso, um stent... Esses dispositivos são só o prenúncio. "O futuro está aí, só não sabemos a velocidade em que ele vai chegar", diz.

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