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Quem ganha com a concessão de pátios e guinchos em SP?

Modelo proposto pelo Detran ameaça empregos, municípios e o bolso do cidadão

Fábio Gregório - Diretor da APPAGESP

Publicado em 12/12/2025 às 08:02

Atualizado em 12/12/2025 às 08:03

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O governo paulista avança na proposta de conceder a gestão do sistema de guinchos / Nair Bueno/Diário do Litoral

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O governo paulista avança na proposta de conceder a gestão do sistema de guinchos, pátios e leilões de veículos apreendidos em 7 grandes blocos regionais, concentrando toda a operação nas mãos de poucos conglomerados econômicos. À primeira vista, trata-se de uma iniciativa vendida como modernização.

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Na prática, porém, o modelo desenhado apresenta riscos graves: ele concentra poder, elimina a concorrência, destrói economias locais e impõe custos pesados ao cidadão comum.

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A cadeia de serviços hoje responsável pela remoção, guarda, vistoria e leilões de veículos em São Paulo é formada, majoritariamente, por empresas familiares, pequenos empreendedores, profissionais autônomos e negócios que geram emprego e renda em centenas de municípios.

O novo formato de concessão — centralizado, de alto custo e desenhado para atrair apenas grandes grupos — tende a inviabilizar essa estrutura, jogando por terra décadas de trabalho e redes de serviços construídas localmente.

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Um dos impactos mais evidentes será sentido no bolso da população. Pelas estimativas já apresentadas, as tarifas de remoção, permanência e liberação de veículos poderão subir mais de 300% no caso de caminhões, 71% para automóveis e 40% para motocicletas.

Trata-se de uma elevação brutal, especialmente para trabalhadores que já enfrentam dificuldades financeiras e que, diante da apreensão do veículo, serão obrigados a pagar muito mais caro para reavê-lo.

Há também um problema logístico que extrapola qualquer justificativa técnica. Hoje, São Paulo conta com mais de 260 pátios distribuídos pelo território. A proposta do governo reduz esse número para 125, o que significa que um cidadão poderá ter de viajar até 250 quilômetros para recuperar seu próprio veículo. É difícil justificar como a concentração dos serviços em menos localidades pode melhorar a eficiência ou o atendimento ao público.

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O impacto nos municípios é igualmente profundo. Em muitas cidades o sistema municipalizado funciona de forma eficiente, gera empregos e movimenta o comércio. Estudo contratado pela APPAGESP com a consultoria Axion aponta que apenas os municípios de Guarulhos, Botucatu, Araraquara, Barretos, Sorocaba, Catanduva e Caieiras – que têm populações, economias e características totalmente distintas e em comum apenas o sistema municipalizado - poderiam perder anualmente quase 50 milhões de reais, dinheiro que financia despesas operacionais essenciais, como manutenção e abastecimento de viaturas, sinalização viária, monitoramento por câmeras, operações de fiscalização e programas de educação para o trânsito.

A suspensão dos leilões nos últimos dois anos — 90 mil carros eram leiloados por ano antes de 2020 e apenas 30 mil foram à leilão desde 2023 - estrangulou financeiramente todo o setor. O resultado são pátios lotados e veículos expostos ao tempo e a riscos mais severos, como os três incêndios que aconteceram esse em pátios paulistas.

Agora, com o fatiamento do estado em apenas sete grandes lotes e com outorgas de quase R$ 200 milhões, nenhuma das cerca de 400 empresas têm condições de competir. Vale lembrar que São Paulo tem 16 regiões administrativas e o resultado previsível desta concentração será o desaparecimento de uma cadeia produtiva que sustenta mais de 50 mil empregos

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Não se trata de negar a necessidade de modernização ou de regras claras. Muito pelo contrário: o setor, especificamente por meio da APPAGESP, luta há mais de duas décadas por um regulamentação que elimine distorções, combata práticas ilegais e contribua com o desenvolvimento econômico das cidades. A descentralização, adotada com êxito por estados como Minas Gerais, Paraná, Mato Grosso, Espírito Santo e Santa Catarina, demonstra que modelos municipais ou regionais são mais justos, mais eficientes e mais aderentes às realidades locais.

O que se propõe em São Paulo, no entanto, vai na contramão do modelo testado e aprovado. Em vez de fortalecer a autonomia dos municípios, esvazia-a. Em vez de ampliar a concorrência, restringe-a. Em vez de proteger o interesse público, coloca-o na mira de tarifas mais altas, serviços mais distantes e menor controle social.

O debate sobre a concessão dos pátios não pode ser reduzido a uma disputa corporativa. Ele envolve mobilidade urbana, segurança, eficiência administrativa, preservação de empregos e, sobretudo, o direito do cidadão a um serviço acessível. Há questões técnicas relevantes que ainda não foram respondidas pelo Detran e pela Secretaria de Investimentos e Parcerias, apesar das audiências públicas realizadas no estado. A ausência de transparência gera dúvidas legítimas sobre a racionalidade econômica, social e logística do modelo.

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A concessão de serviços públicos deve buscar eficiência, qualidade e equilíbrio competitivo. O projeto do Governo do Estado, da forma como está estruturado, ameaça produzir exatamente o contrário: concentração, exclusão e prejuízos ao contribuinte. Além de ferir gravemente a Lei Complementar 123/2006 - o Estatuto da Pequena Empresa- que prevê condições especiais de concorrência para empresas de pequeno porte que participem de licitações.

Ainda há tempo para rever rumos, ampliar o diálogo e construir uma solução que modernize o setor sem destruir suas bases. O interesse público — e não o de poucos — precisa ser o eixo central dessa discussão.

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