Mais do que o enfrentamento à desinformação, trata-se de uma infraestrutura essencial para a ação pública / Pixabay/Pexels
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Em tempos em que a crise climática exige respostas urgentes e coordenadas, a desinformação se impõe como um dos principais obstáculos à ação global. Não apenas distorce o debate, mas mina a confiança pública, paralisa políticas públicas e fragiliza os consensos que sustentam decisões estratégicas.
Foi nesse contexto que, na última semana de março, participei como um dos representantes brasileiros no Climate Information Integrity Summit (CIIS), em Brasília — um encontro que reuniu cerca de 120 integrantes de governos de diversos países, organizações internacionais e iniciativas da sociedade civil para construir respostas concretas a um desafio cada vez mais urgente: como proteger a integridade da informação sobre mudanças climáticas em um cenário polarizado por mentiras?
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Mais do que reconhecer o problema, o evento organizado pela FALA, pela Conscious Advertising Network (CAN) e pela coalizão Climate Action Against Disinformation (CAAD) escancarou um impasse civilizatório: enquanto a ação climática demanda cooperação, confiança nas instituições e integridade da informação, o ambiente informacional em que vivemos é moldado por dinâmicas opostas.
Mas o que, afinal, significa falar em “integridade da informação”? Segundo definição promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU), trata-se do conjunto de princípios e práticas que garantem que a sociedade tenha acesso a conteúdos transparentes, verificáveis, baseados em evidências e livres de manipulação intencional.
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Mais do que o enfrentamento à desinformação, trata-se de uma infraestrutura essencial para a ação pública. Sem informação íntegra, políticas climáticas eficazes se tornam inviáveis, a mobilização social se fragiliza e os direitos humanos mais básicos — como o direito à vida, à saúde e à autodeterminação dos povos — são colocados em risco.
A desinformação, nesse sentido, não é apenas um desvio do debate público. É uma estratégia de erosão institucional que compromete a capacidade de sociedades tomarem decisões informadas, de governos regularem com justiça, e de comunidades se protegerem de ameaças reais. Ao fazer isso, sabota diretamente os esforços globais vinculados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, especialmente no que se refere à ação climática (ODS 13), ao fortalecimento das instituições democráticas (ODS 16) e à construção de parcerias globais baseadas na transparência (ODS 17).
Foi com esse pano de fundo que os debates realizados no CIIS se organizaram em torno de cinco grandes consensos:
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1. O acesso à informação confiável é um direito coletivo: É impossível agir frente à crise climática quando os dados que nos orientam são distorcidos. A integridade da informação é o que sustenta o engajamento público, a tomada de decisões baseadas em ciência e a capacidade de governos atuarem com legitimidade.
2. O poder público precisa agir como garantidor do espaço informacional: Plataformas digitais operam hoje com base em modelos de negócio que privilegiam o engajamento acima de qualquer valor público. Isso significa que conteúdos falsos, sensacionalistas e polarizadores têm maior alcance — e, muitas vezes, são até monetizados. Sem regulação da atuação das Big Techs, esse ambiente se torna fértil para o avanço de interesses que sabotam o debate climático. O CIIS foi enfático: precisamos de marcos legais que tragam transparência algorítmica, exigência de prestação de contas e responsabilização para empresas que, direta ou indiretamente, financiam a desinformação.
3. O sistema publicitário tem papel estrutural na cadeia da desinformação: Agências, anunciantes e intermediários digitais continuam, muitas vezes sem saber, sustentando financeiramente canais e perfis que espalham mentiras sobre o clima. Essa realidade não pode mais ser ignorada. O financiamento do conteúdo enganoso precisa ser interrompido, e a publicidade precisa ser orientada por critérios éticos e sustentáveis — não apenas por métricas de alcance.
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4. Proteger quem defende o meio ambiente é proteger a democracia: Ambientalistas, cientistas, comunicadores e povos originários têm sido alvos recorrentes de campanhas de desinformação, ameaças de morte e perseguições, tanto no ambiente digital quanto fora dele. Em muitos casos, os riscos ultrapassam o simbólico e colocam em xeque a própria vida desses defensores. A proteção a essas lideranças não pode ser protocolar: precisa ser garantida por mecanismos legais, redes de apoio e estruturas de segurança física e digital que estejam à altura da ameaça.
5. A COP30 representa uma oportunidade sem precedentes: A próxima conferência do clima, que será sediada em Belém em novembro de 2025, precisa reconhecer a integridade da informação e o enfrentamento à desinformação como eixo central da política climática global. O CIIS defendeu que os documentos finais da COP30 incluam compromissos explícitos de enfrentamento à desinformação climática e que se estabeleçam as responsabilidades de governos, empresas, plataformas e mídia nesse campo. Ignorar esse componente é permitir que a crise informacional continue corroendo as bases do combate à emergência ambiental.
Em suma, se a integridade da informação continuar sendo tratada como pauta secundária, seguiremos discutindo soluções sem jamais confrontar as engrenagens que as sabotam. Fica a questão: Até quando vamos permitir que a desinformação paute o ritmo da ação climática? O tempo da ambiguidade já passou. O que está em jogo não é apenas o acesso a dados, é a nossa capacidade de agir com base neles, de garantir políticas públicas baseadas em evidências, e de proteger vidas que já estão na linha de frente do colapso. Por fim, com vidas em risco, é importante reforçar o óbvio: a integridade da informação não é mera abstração acadêmica, mas condição para a justiça climática.
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Ergon Cugler, graduado e pós-graduado pela USP, mestre pela FGV. Pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Desordem Informacional e Políticas Públicas (DesinfoPop/CEAPG/FGV)