Artigo
Esses limiares demandam uma resposta coletiva robusta, especialmente em setores intensivos em emissão de carbono
A descarbonização dos transportes vai além das grandes rupturas tecnológicas / Javid M/Pexels
Continua depois da publicidade
“Estamos em emergência climática.” A frase cunhada por Carlos Nobre ilustra o estágio crítico em que nos encontramos: os pontos de não retorno (“tipping points”) ameaçam desencadear mudanças irreversíveis nos grandes sistemas naturais, como a Amazônia.
Esses limiares demandam uma resposta coletiva robusta, especialmente em setores intensivos em emissão de carbono — como os transportes —, que ocupam posição estratégica tanto na mitigação quanto na adaptação climática.
Continua depois da publicidade
Na COP30, o setor de transportes ocupou posição estratégica nas discussões sobre enfrentamento das mudanças climáticas. A intensificação dos eventos extremos e os impactos observados em operações logísticas impulsionaram a incorporação de ferramentas essenciais, como mapeamento sistemático de riscos, protocolos avançados de contingência e investimentos em infraestrutura resiliente — condições fundamentais para garantir segurança, continuidade operacional e proteção de cadeias logísticas diante de cenários cada vez mais incertos e adversos.
As NDCs brasileiras apresentaram ambição reforçada, estabelecendo uma meta voluntária de pelo menos 59% de redução nas emissões do setor de transportes até 2035, tomando como referência o inventário de 2005. Esse compromisso desafia o setor a adotar trilhas de implementação claras, mecanismos de governança multiatores e ações integradas que envolvam federação, empresas, academia e sociedade civil numa agenda coordenada e eficaz para a transição energética.
Continua depois da publicidade
A descarbonização dos transportes vai além das grandes rupturas tecnológicas, como a substituição imediata dos combustíveis fósseis; ela deve começar com ações de curto prazo, os chamados “quick wins”.
O reequilíbrio da matriz de transportes, por exemplo, ampliando substancialmente a participação de ferrovias e hidrovias, se apresenta como uma forma eficiente e viável de já promover reduções expressivas nas emissões, conforme comprovam estudos recentes. Segundo Silva e Silva (2024), o transporte hidroviário pode emitir até aproximadamente 83% menos CO em relação ao modal rodoviário para o mesmo volume de carga, e cada avanço percentual no modal ferroviário proporciona queda direta nas emissões totais.
Para o setor marítimo e portuário, intervenções de baixo custo e alto impacto — como o controle da velocidade de navegação, eletrificação de embarcações de apoio e melhorias operacionais — já trazem ganhos imediatos em eficiência energética e mitigação de emissões de gases de efeito estufa.
Continua depois da publicidade
O mais relevante, no entanto, é traçar uma trilha conjunta para a neutralidade de carbono, estabelecendo metas intermediárias claras (“checkpoints”) e compromissos compartilhados entre todos os atores do setor — isto é, governança climática em ação.
Transversalidade é um traço marcante do desafio: o tema da transição energética demanda integração intersetorial e federativa, soluções compartilhadas e instrumentos de governança que envolvam participação social ativa.
Coletivos, hubs de pactuação, fóruns e espaços permanentes, onde empresas, sociedade civil, gestores públicos e academia dialoguem e pactuem soluções, fortalecem a legitimidade e a eficácia das políticas, fugindo de iniciativas pontuais e fragmentadas.
Continua depois da publicidade
A viabilização financeira, por meio de políticas públicas de incentivo, subsídios, crédito direcionado e mobilização de capitais privados, é inseparável da governança climática.
Inventários de emissões, programas regulatórios e instrumentos de registro e monitoramento consolidam bases institucionais para a rastreabilidade e controle dos compromissos climáticos, tornando o setor de transportes referência na construção de uma agenda logística de baixo carbono.
Além de seu papel central na mitigação, a governança climática oferece ferramentas estratégicas para a adaptação — dimensão frequentemente relegada a segundo plano nos debates sobre a transição energética.
Continua depois da publicidade
Sua aplicação pode e deve envolver o estabelecimento de metas de adaptação tão concretas e quantificáveis quanto as de redução de emissões, indo além do carbono evitado para incluir, por exemplo, a quantidade de vidas salvas, ativos protegidos ou comunidades resilientes após eventos extremos. Instrumentos de planejamento como a metodologia OKR (Objectives and Key Results) podem atuar como drivers essenciais nessa construção, permitindo que federações, empresas e sociedade civil transformem objetivos amplos em resultados acompanháveis e transparentes, tanto na mitigação quanto na adaptação.
Ressalte-se ainda que a busca por uma “transição justa” exige um plano robusto de gestão de mudanças (change management), para que nenhuma comunidade ou elo produtivo seja marginalizado no processo.
Tratar a transição climática como pauta estratégica — transversal a todas as instâncias decisórias — é, por excelência, essência da governança climática e condição fundamental para que alcancemos uma agenda de progresso, resiliência e inclusão socioambiental.
Continua depois da publicidade
Em síntese, a emergência climática exige que a governança deixe de ser pano de fundo e se torne protagonista. Só uma governança eficiente, científica e participativa será capaz de transformar ambição em ação e garantir a transição energética na velocidade e escala exigidas pelo momento.
No complexo portuário de Santos, a mobilização em torno da agenda colaborativa do Manifesto ESG é exemplo concreto de como a integração estratégica dos agentes locais pode se tornar uma vantagem competitiva regional, articulando inovação regulatória, inclusão social e práticas sustentáveis avançadas.
O setor de transportes reúne os ingredientes para liderar essa transformação: trilhas de metas conjuntas, fortalecimento da adaptação e mitigação com base em evidências e protocolos de emergência alinhados às melhores práticas globais.
Continua depois da publicidade
A governança climática, portanto, deve ser assumida como fator crítico de sucesso — fundamental para consolidar o Brasil como protagonista global e para proteger vidas, negócios e a própria resiliência do território diante do maior desafio de nossa era.
* Claudio Bastos, Superintendente de Governança, Riscos e Compliance da APS e Cofundador do Manifesto ESG do Porto de Santos