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Nesse novo modo de ouvir, uma ferramenta ganhou voz. O Building Information Modeling, o BIM
Muito além de desenhos em três dimensões, o BIM revela uma quarta dimensão: a da consciência cidadã / Lukas/Pexels
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Era uma vez uma cidade que começou a escutar com mais atenção. Não apenas o concreto de suas estruturas, mas os alicerces invisíveis da gestão pública: confiança, justiça social, planejamento ético e responsabilidade com o futuro.
Nesse novo modo de ouvir, uma ferramenta ganhou voz. O Building Information Modeling, o BIM. Não como software caro, mas como linguagem pública. Um jeito mais claro, justo e eficiente de planejar, executar e prestar contas.
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Muito além de desenhos em três dimensões, o BIM revela uma quarta dimensão: a da consciência cidadã. Planejar antes de executar. Prever antes de desperdiçar. Compartilhar antes de decidir. E, sobretudo, transformar cada obra pública num pacto visível com o futuro. O BIM Social permite mostrar às famílias, às pessoas que viverão ou trabalharão nesses espaços, como eles existirão de verdade. Sem papeladas confusas, mas de forma clara, acessível e confiável.
A Caixa Econômica Federal, ao incluir o BIM como critério de avaliação para o Selo de Governança Sustentável, deu um passo além da técnica. Afirmou, de forma estratégica e simbólica, que cada etapa de uma obra pública deve ser rastreável, possível de acompanhar, transparente e compreensível. Que a creche do bairro não atrase dois anos. Que a reforma da escola não fique só na promessa. Que a praça sonhada pela comunidade se materialize com qualidade e no tempo certo.
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Esse selo, com vinte indicadores que avaliam o cuidado com o meio ambiente, com as pessoas, com o clima e com a forma de governar, valoriza quem administra com responsabilidade de Estado. E o BIM, nesse contexto, não é uma ferramenta difícil ou exclusiva. É um instrumento que ajuda a cidade a funcionar melhor, sem desperdício de dinheiro e com mais respeito a quem paga os impostos.
O BIM ajuda a garantir cinco coisas fundamentais: obras mais eficientes, menos retrabalho e desperdício, documentos mais fáceis de entender, acesso a financiamentos sustentáveis e uma cultura de planejamento que una todos os setores da gestão pública. Cinco razões que, infelizmente, continuam ausentes em boa parte das administrações que ainda operam com mapas rasgados, orçamentos inflados e projetos improvisados.
Alguns municípios já entenderam essa virada. Uberlândia criou um Comitê Gestor BIM, montou um laboratório de projetos e integrou a metodologia aos contratos públicos. Araxá passou a fiscalizar obras com mais clareza entre secretarias. Toledo, no Paraná, conquistou o Selo Diamante, com planejamento por etapas e capacitação técnica. Em São Paulo, a Secretaria Municipal de Habitação tornou o BIM obrigatório para os projetos habitacionais voltados à população de baixa renda. Com isso, a prefeitura consegue verificar rapidamente se os projetos são seguros, eficientes e regulares.
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Além disso, a SEHAB-SP elaborou dois instrumentos fundamentais: o Caderno de Modelagem BIM e o Caderno de Projetos BIM, que padronizam nomenclaturas, arquivos, revisões e diretrizes de projeto. Técnica a serviço da ética. Dados ganhando alma cidadã.
E o mais importante: não é preciso comprar programas caros para começar. O município não precisa fazer tudo sozinho. Precisa, sim, saber o que pedir. Saber pedir para saber receber. A Secretaria de Obras pode liderar esse movimento. Criar manuais simples, usar programas gratuitos que leem modelos digitais, como o BIM Vision, e organizar as entregas junto com os setores de Planejamento, Meio Ambiente e Controle Interno. Assim, cada obra pública pode ter sua história contada com clareza. Cada metro quadrado pode virar motivo de orgulho e não de vergonha pública.
Com capacitações feitas aos poucos, contratos bem escritos e regras internas claras, a gestão pública ganha outro rosto. O BIM deixa de ser apenas ferramenta e vira linguagem. A linguagem de governos que escutam, que planejam com responsabilidade e que prestam contas. Não apenas aos tribunais, mas também ao cidadão da vila, da escola, da UBS. Porque todos têm o direito de entender como, quando e onde o dinheiro público está sendo usado.
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Para que essa linguagem se torne oficial e respeitada, propõe-se uma estrutura com três pilares jurídicos. Primeiro, uma Lei Municipal que reconheça o BIM como política pública permanente, vinculada à inovação, à sustentabilidade e à eficiência administrativa. Segundo, um Decreto Executivo, feito pelas secretarias envolvidas, que detalhe em quais etapas o BIM será aplicado, quem participa e quais os prazos. Terceiro, um
Parecer Jurídico da Procuradoria Geral, que garanta segurança no uso do BIM em contratos, licitações e convênios, com base na Constituição, na nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021) e na Lei de Acesso à Informação.
Importante lembrar que esse decreto pode variar conforme o tipo de obra, respeitando suas particularidades. O parecer jurídico não torna o BIM obrigatório, mas protege seu uso de questionamentos. E a decisão de usar BIM continua sendo do gestor público — e é aí que mora o risco: a escolha de permanecer no improviso, no atraso, no desperdício.
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No plano nacional, a Estratégia BIM BR foi fortalecida pelo Decreto nº 11.888/2024. Agora, todos os níveis de governo federal, estadual e municipal são incentivados a adotar o BIM de forma progressiva até 2028, conforme prevê a Estratégia BIM BR. Trata-se de uma diretriz nacional que orienta e fomenta a transição digital na gestão pública, respeitando os diferentes contextos e capacidades de cada ente federativo.
A nova Lei de Licitações também recomenda seu uso preferencial. O governo federal passou a apoiar formações, certificações e o desenvolvimento de tecnologias brasileiras. Isso fortalece o país, gera empregos e moderniza a gestão pública.
Com isso, o Brasil caminha ao lado de países como Reino Unido, Alemanha, Singapura, China e Austrália, onde o BIM já é exigido em obras públicas. Esses países entenderam, e nós também começamos a compreender, que modelar digitalmente uma obra não é luxo. É dever com o dinheiro do povo. É a chance de fazer certo desde o início, com menos erro, mais controle e mais respeito.
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Cada metro quadrado que pode ser acompanhado em tempo real não é só concreto. É um compromisso assinado com a população. Um sinal de respeito à cidade, aos servidores e a quem paga impostos. O BIM não é custo. É investimento. Não é obstáculo. É bússola. O município não precisa ser rico em softwares, mas sim rico em visão de futuro. No fundo, modelar digitalmente é modelar o próprio compromisso com a cidade.
Cada creche entregue no prazo. Cada UBS que funciona de verdade. Cada praça feita com participação popular. Tudo isso é BIM em ação.
BIM é espelho.
Mostra a cidade como ela é, com seus buracos e silêncios,
mas também revela a cidade que podemos e devemos construir:
mais justa, mais transparente, mais humana.
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Porque governar com BIM é planejar dignidade e plantar cidadania no solo vivo da gestão pública.