Dizem que esse é o futuro. Limpo, eficiente, planejado. Árvores artificiais feitas de aço, vidro e sensores, abastecidas por energia solar ou fontes renováveis / Reprodução/Freepik
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Outro dia, caminhei por uma praça onde já não havia árvores. Em seu lugar, estruturas verdes metálicas, com sensores e luzes brancas pulsantes, substituíam o que antes era sombra, galho e abrigo. Chamavam-nas de “árvores tecnológicas”. Capturam CO com eficiência espantosa. Não exigem poda, rega ou terra. Não soltam folhas. Não abrigam ninhos. Não fazem sombra. E, por isso mesmo, são incompletas.
O silêncio que pairava não era de paz, mas de ausência. Faltava ali o cheiro da terra molhada, o farfalhar das folhas, o improviso dos galhos com o vento. Faltava o acaso da vida. Aquela que não tem botão de desligar.
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Dizem que esse é o futuro. Limpo, eficiente, planejado. Árvores artificiais feitas de aço, vidro e sensores, abastecidas por energia solar ou fontes renováveis. Em algumas cidades, versões líquidas já se espalham, com cilindros de algas oceânicas borbulhando em precisão clínica. Não têm raízes, mas têm USB para recarregar celulares. Oferecem wi-fi. Tocam sons de folhas gravados em florestas digitalizadas. Soltam fragrâncias que lembram o aroma de chuva na terra.
Tudo isso é real. E é, de fato, impressionante.
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Mas me pergunto: em qual dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável está escrito que a natureza viva deve ser substituída por simulações tecnológicas? Onde, no Manifesto ODS, que guia as cidades comprometidas com um futuro sustentável, está dito que devemos abrir mão das árvores naturais, com suas raízes, ciclos e vínculos, em nome da manutenção otimizada e da estética high-tech?
Não sou contra a inovação. Acredito na potência das soluções híbridas e na inteligência aplicada à sustentabilidade. Mas é preciso lembrar que o desenvolvimento sustentável não se mede apenas pela performance de captura de carbono. Ele também se revela na preservação dos ecossistemas, na conexão sensorial com o ambiente e na manutenção dos vínculos afetivos entre pessoas e natureza.
A natureza é desobediente. Cresce onde não queremos. Dá sombra onde não esperamos. Cai sem pedir licença. E talvez essa seja sua maior lição: lembrar-nos de que não controlamos tudo.
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As árvores naturais são como livros que se leem com os olhos fechados. Pedem presença. Exigem tempo. Abrigam silêncios, abelhas e recomeços. São a prova viva de que o mundo não se resume a algoritmos.
A tecnologia pode ser útil. E será. Mas não basta.
Porque ela pode simular o cheiro. Pode oferecer sombra aumentada. Mas não entende o que é outono. Não conhece saudade. Não floresce por acaso.
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E talvez seja exatamente nesse cruzamento entre galhos e circuitos que a verdadeira Cidade Inteligente se revele. Eficiente, conectada, planejada até o último sensor. Mas, ao buscar o controle absoluto, corre o risco de esquecer que a verdadeira inteligência urbana não está apenas nos algoritmos, mas no inesperado da vida que pulsa entre as frestas.
Uma cidade só é verdadeiramente inteligente quando se alinha aos ODS não apenas em discurso, mas em prática, colocando a vida, e não a eficiência isolada, no centro de seu planejamento.
Que não nos contentemos com cidades perfeitas, mas lutemos por cidades vivas, onde o progresso não silencie o vento, nem o coração.
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