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Artigo - Um dia sem ouvir aquele nome

Eu gostaria de passar um dia inteiro sem falar o nome do presidente do Brasil. Um dia sem mesmo citar o seu mais famoso apelido, aquele que o iguala a um palhaço, o que, convenhamos, é uma canalhice com a classe

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Publicado em 23/01/2021 às 13:10

Atualizado em 23/01/2021 às 13:52

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Francisco Marcelino, jornalista, escritor e professor / DIVULGAÇÃO

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Por Francisco Marcelino

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Eu gostaria de passar um dia inteiro sem falar o nome do presidente do Brasil. Um dia sem mesmo citar o seu mais famoso apelido, aquele que o iguala a um palhaço, o que, convenhamos, é uma canalhice com a classe. Imaginemos um dia sem tampouco ver a imagem do presidente espalhando perdigotos por alguma concentração de correligionários.

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Nesse dia que não falaremos o nome do presidente e nem usaremos alguns de seus clássicos apelidos, acordaremos num país onde oxigênio não falta, as vacinas servem para evitar vírus e epidemias, as florestas estão intactas, a democracia reina soberana sob a égide da constituição e o Enem é uma prova elaborada todos os anos com independência por uma equipe de educadores. Nesse dia, até a Terra voltará a ser redonda e Jesus Cristo descerá da goiabeira em que ele nunca subiu.

Essa tortura (algo que lhe é bem caro) de quatro sílabas e de três “o” será um silêncio no fim das nossas frases e dos nossos medos. Essa tortura que massacra a nossa inteligência ao propagandear remédios sem eficácia comprovada se apequenará diante da ciência. Nesse dia sem aquelas cinco consoantes e quatro vogais, lembraremos de falar de futebol, de como o meu São Paulo se perdeu quando parecia estar com o queijo e a faca na mão. Falaremos ainda do Fogão a caminho da segundona... uma final brasileira na Libertadores.

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Sem falar aquele nome nem ver aquela imagem embaçada de perdigotos, tiraremos um dia para assistir a um filmaço, mesmo que por um serviço de streaming, como “Rosa e Momo”, de Edoardo Ponti, ou “Mank”, de David Fincher. Depois do filme, discutiremos a narrativa, os atores, a música. Lembraremos ainda de outros filmes de Sophia Loren, que agora é dirigida pelo filho Edoardo Ponti. 

Num mundo sem aquele nome, poderemos aprender uma língua estrangeira. Por que não chinês? Assim, em chinês, telefonaremos para um laboratório farmacêutico em Pequim ou Wuhan e encomendaremos seringas, vacinas e outros insumos para lutar contra o novo coronavírus. Sim, não precisaremos de chanceler que nega o aquecimento global ou de deputado que se diz habilitado a se tornar diplomata por que grelhou hamburger nos Estados Unidos.

Como disse antes, eu gostaria de passar um dia pelo menos sem falar esse nome que se propaga por toda uma linhagem de políticos e de depósitos em dinheiro. Um dia seria bom; uma semana seria ainda melhor. Mas seria um alívio não ouvir o seu nome pelos próximos 19 meses, o tempo que falta para terminar o seu mandato, ecoando sem fim na cachola. 

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Mas, vejam, o ser humano é contraditório. Assim como sonho com um dia sem ouvir aquelas quatro sílabas, sonho também com o dia em que ouvirei o seu nome ecoando pelos plenários da Câmara e do Senado.  

E por aqui fico sem citar aquele nome.

Francisco Marcelino, jornalista, escritor e professor

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