25 de Abril de 2024 • 21:17
Artigo
Se a luta contra a Covid-19 está sendo cruel, com claros sinais de que o vírus consegue nos vencer ao baixarmos a guarda, será ainda mais sangrenta a guerra para ajudar os mais desprovidos da nossa sociedade diante dessa crise
Francisco Marcelino, jornalista, escritor e professor / DIVULGAÇÃO
Por Francisco Marcelino
Todo dia a gente almoça. Todo dia a gente janta. Todo dia a gente dorme. Todo dia a gente acorda. Mas não é todo mundo que faz isso todo dia. Nem todo mundo tem uma casa onde dormir para acordar no dia seguinte nem um prato no almoço e outro no jantar. Todo mundo sabe disso. Todo mundo sabe também que essa situação é injusta. Uns podem clamar que alguns têm menos (ou nada) porque não quiseram estudar ou trabalhar. No entanto, todo mundo sabe que a criança que nasceu e cresceu na rua sem o teto onde dormir ou o prato para acalmar a sua fome tem uma dívida eterna com o estômago e o cérebro.
Todo mundo sabe que a pobreza extrema não é exclusiva de países pobres. Quem já visitou alguns bairros de Detroit, Atlanta ou mesmo Nova York sabe que ser pobre nos Estados Unidos é pior do que no Brasil. Lá não tem o SUS e quando o inverno chega, os termômetros podem cair 20 graus abaixo de zero. Até menos do que isso. Mesmo debaixo de um teto, com um frio assim, não é possível se aquecer sem uma lareira, um sistema de aquecimento ou simplesmente um fogão. E no frio, a fome nos devora de forma mais devastadora.
Trocando os versos de Tom Jobim e Vinicius de Moraes que dizem que "a tristeza não tem fim, a felicidade sim", podemos dizer que a miséria humana não tem fim, a riqueza sim. Enquanto que a miséria está em toda parte, a riqueza mora num condomínio fechado, protegido por grades e cercado por árvores colossais.
E nos dias de hoje, a miséria caminha lado a lado com a pandemia. Se a luta contra a Covid-19 está sendo cruel, com claros sinais de que o vírus consegue nos vencer ao baixarmos a guarda, será ainda mais sangrenta a guerra para ajudar os mais desprovidos da nossa sociedade diante dessa crise. A fome se alastrará por todos os cantos do planeta. E do mesmo jeito que todo dia a gente almoça e janta, todo dia, paulatinamente, a gente irá perceber os sinais da miséria crescerem bem ao lado de casa.
De novo, a miséria não tem fim. É assustador saber que nem todo dia o nosso amigo ou parente janta ou almoça. É assustador saber que não existe nenhum plano a postos para ajudar nosso amigo ou parente.
No Brasil, diante da política adotada (ou falta de política) contra a crise, o fim do auxílio emergencial será a bandeira de largada para essa tragédia. Dá até para cravar uma data: 17 de fevereiro de 2021, a quarta-feira de cinzas do ano que vem. Triste como toda quarta-feira de cinzas, triste pelo fim da folia, triste porque nos daremos conta das geladeiras vazias em milhões de lares brasileiros. Sim, a fome chegará até nas casas com geladeiras. Se não estiver totalmente vazia, a geladeira estará desligada, porque a luz foi cortada, seja pela companhia de eletricidade, seja pelo miliciano que estiver de plantão.
Francisco Marcelino, jornalista, escritor e professor
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