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Artigo - Redução dos homicídios

Parece que ainda não aprendemos que Segurança Pública reflete diretamente em vidas, por isso deveriam os 'especialistas' de ambos os lados tentarem abster-se do mínimo de paixão

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Publicado em 03/03/2022 às 06:30

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Davidson Abreu, escritor, especialista em Segurança Pública / DIVULGAÇÃO

Por Davidson Abreu*

Uma reportagem de um grande veículo causou furor ao apontar as causas da redução de homicídio no Brasil e os apoiadores do governo Bolsonaro contestaram. A pesquisa foi feita por especialistas do FBSP e do NEV-USP. A redução vem desde 2018. A gritaria foi por terem apontado como uma das causas a “profissionalização no mercado de drogas brasileiro”.

A briga entre mídia e governo Federal e a maneira como exploram o tema foi o estopim. Nas entrelinhas, a “profissionalização” do crime seria algo benéfico. 

Os partidários de Bolsonaro apontam como causa maior dessa redução o maior acesso às armas pela população. Matéria passadas, inclusive veiculadas pelo mesmo veículo e do IPEA, previam um grande aumento dos homicídios devido ao maior comércio legal de armas de fogo, coisa que não ocorreu. Contudo, trataram em outra oportunidade de afirmar que “mais armas não necessariamente refletem nos índices de homicídios” contrariando as próprias notícias anteriores. 

Parece que ainda não aprendemos que Segurança Pública reflete diretamente em vidas, por isso deveriam os “especialistas” de ambos os lados tentarem abster-se do mínimo de paixão e é o que tentaremos fazer. Vamos nos concentrar nos temas polêmicos, onde ambos os lados têm um punhado de razão.

Alguns especialistas afirmam que um maior número de armas legalizadas reduz alguns índices criminais. Parece um tanto óbvio. Um criminoso busca maior lucro e menor risco (Teoria Econômica do Crime). Se, por exemplo, ele sabe que uma em uma casa reside um morador que possui uma arma e ele puder escolher, escolherá a casa que não tenha arma. 

O tema é amplo e há vários livros sobre o assunto, mas a questão é que, ainda assim, esse maior acesso a armas não seria o suficiente para essa redução dos índices de homicídios. Bem como os defensores do direito ao porte e à posse de armas, entendem que essa liberação não é um programa de Segurança Pública e sim uma questão de direito a Legítima Defesa, ainda que tenha reflexos positivos na segurança.

Quanto ao fator “profissionalização do crime” sinto desapontar, há sim um reflexo maior na redução nesse sentido.

O engraçado é que quando o finado Senador Major Olimpio apontou esse fator como causa para a redução dos homicídios de São Paulo, os apoiadores do governo Bolsonaro aplaudiram, pois na época eram aliados.

O exemplo de São Paulo é muito didático: uma única quadrilha domina o crime, dentro e fora dos presídios. Nem as mortes de desafetos são liberadas sem ordem, ou tribunais de execução. Não há guerra entre gangues. Não há disputa de território. Confrontos com a polícia são evitados.

Quanto mais organizada a quadrilha, como se trata de busca por lucros, os crimes em geral podem ser reduzidos, caso dificulte a obtenção desse lucro.

Fato semelhante ocorre onde há ausência total do poder do Estado, como por exemplo, nos morros cariocas. O crime organizado não só controla os homicídios como impede roubos, estupros, furtos, etc. Fiscalizam, ouvem queixas, e punem. Eles são o poder. Suas fontes de lucro são outras: tráfico de drogas, contrabando de cigarro e bebida, venda de sinais de internet e TV, jogos, prostituição, distribuição de gás e água, transporte e até (pasmem!) construção civil. Era comum a máfia “vender” segurança e manter alguns territórios seguros.

Caso sua paixão impeça de acreditar, pergunto: o que mudou no sistema da polícia e das políticas contra o crime? Quais leis foram alteradas? Nenhuma.

Na verdade, o governo Federal não fez tanto, salvo um maior combate ao tráfico internacional de drogas e algumas ações de competência da Polícia Federal. Bem como é dever maior de políticas estaduais de segurança pública esse combate direto.

As polícias continuam as mesmas, as policias militares continuam dependentes da polícia civil, as leis permanecem praticamente iguais, saídas temporárias ainda existem, bem como outros privilégios. A investigação é quase inexistente no país, apenas 8% dos homicídios chegam a condenação e menos de 5% dos furtos e roubos são sequer investigados. Fechar os olhos para isso é ignorar o problema. 

Outro fator ignorado é um fenômeno chamado Regressão a Média, resumindo, é quando a coisa está tão ruim que naturalmente retorna a um patamar um pouco melhor. Chegamos a ter 60 mil homicídios ao ano, estamos retornando à casa dos 40 mil, ainda considerado em muitas regiões como epidemia pela OMS.

O Governo Federal tem uma política muito melhor sobre Segurança Pública, mas depende do Congresso para as alterações necessárias. Algumas forças policiais se profissionalizaram e atuam com maior inteligência, mas necessitam de ferramentas legislativas para atuar com maior eficiência.

Para termos uma real redução dos índices criminais é preciso investir em investigação, extinguir o inquérito, Ciclo Completo para as polícias militares, vagas no sistema penitenciário, controle do Estado nos presídios, redução da maioridade penal, redução das saídas temporárias e indulto, fim da visita íntima, prisão em segunda instância, que a pena seja integral, que o Estado retome as áreas dominadas pelo crime organizado, que realmente haja combate ao crime organizado, entre outras tantas ações realmente efetivas e não paliativas.

* Davidson Abreu, escritor, especialista em Segurança Pública

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