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Artigo - Pão, circo e as armas do ódio

A violência começa pela perda ou esquecimento dos traços fundamentais da identidade humana: o seu sentido de ser, a sua capacidade de sentir e a sua forma de refletir

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Publicado em 28/06/2021 às 06:40

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Diego Monsalvo, professor de filosofia e escritor / DIVULGAÇÃO

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Por Diego Monsalvo

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A violência (do latim vis: força física, potência) descaracteriza o ser humano por inteiro, uma vez que o sujeito violento desiste da sua afetividade e racionalidade e, por sua vez, o sujeito violentado passa à condição de objeto e, como tal, suscetível e manipulável.

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O ato violento significa que, através da força física e da submissão psíquica, impõe-se ao outro uma opinião única, imperativa e sem espaço para a argumentação dialógica e reflexiva. Confundida com autonomia, essa opinião não tem um comprometimento com critérios e métodos, passando a ser uma crença interesseira a partir de mim para comigo mesmo. Essa brutalidade opinativa é um falar sozinho na pluralidade de vozes e ouvidos que compõem a existência.

Portanto, a violência começa pela perda ou esquecimento dos traços fundamentais da identidade humana: o seu sentido de ser, a sua capacidade de sentir e a sua forma de refletir.         

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Pensar e sentir reflexivamente seria em grande parte a saída do estado de menoridade - como sustentava o grande filósofo Immanuel Kant - no qual nos encontramos.

O mundo 'civilizado' vem sofrendo dos efeitos colaterais desse processo de desumanização, disseminado por grupos ou indivíduos violentos, cuja relação com o diferente é buscada pela voz da agressão e do ódio. 

O outro, despersonalizado e já preso a um rótulo social, se tornou a extensão daquilo que eu (também) exijo que ele seja: um mocinho (que me defende) ou um bandido (que me ataca). Assim, somos o retrato do interesse utilitário e imediato. Somos a indiferença, aqueles que não se percebem enquanto outro para o outro.

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E, então, a violência social aparece como que animada por uma natural demanda de mercado. A brutalidade se tornou o pão e o circo de nossa nova Roma. O que seria, por exemplo, das empresas armamentistas, que passaram a assegurar o espírito de autodefesa e soberania das nações, sem as guerras e conflitos espalhados pelo mundo? O que seria das ideologias do senhor mercado se não fossem os embates fratricidas cotidianos? Resposta: falta de lucro, déficit, queda na bolsa e perda de poderes e mandos dos donos dos cofres. E eis que o ciclo está posto!

Na ordem do dia, se inscreve nas consciências, um novo apelo: ser melhor, sentir com profundidade e refletir com solidariedade faz mal à saúde! 

A violência é lucrativa, e o lucro é o árduo caminho de onde virá o céu hipotecado a cada partícipe da ordem estabelecida pelo deus mercado. O lucro indiscriminado, sem rédeas e sem pudor frente à desigualdade em que estamos é a marca dessa estranha maneira de viver no ataque e com medo de ser atacado.

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Por fim, outra vez mais uma velha indagação ainda ecoa: "A César o que é de César, a Deus o que é de Deus!"

Mas qual César? Qual Deus? Qual eu?!

* Diego Monsalvo, professor de filosofia e escritor

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