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Artigo - De coragem, elefantes e o Porto 130

O conceito de um porto é referido não apenas pelas suas características geográficas, instalações e equipamentos, mas pelos seus resultados de movimentação e segurança, num aspecto global

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Publicado em 02/02/2022 às 07:00

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Porto de Santos é uma das maiores ferramentas da constante evolução econômica da Baixada Santista / NAIR BUENO/DIÁRIO DO LITORAL

Começamos pela história, em outro tempo e lugar. Na Roma antiga, dois séculos antes desta era cristã, Catão, em discursos no senado romano bradava ”Delenda Carthago”, “Destruir Cartago”, o império arqui-inimigo.  Mas, do outro lado, o general africano Aníbal, cruzou o Mediterrâneo comandando 40 mil soldados e 40 elefantes de guerra, seguindo pela Espanha, França até cruzar os Alpes e, vindo do Norte, alcançar as hostes romanas, impondo pesadas derrotas. Essa a lição do que parecia impossível.

Neste nosso espaço de terra, em área privilegiada de águas abrigadas, desde as primeiras ocupações há quase 500 anos desenvolveu-se a recepção de embarcações, desde o chamado Porto das Naus até o acesso pelo Estuário no contorno da Ilha de São Vicente. 

Mas, se por um lado havia a aptidão natural para as atracações, defrontava-se a ocupação interior com a formidável barreira do contraforte do planalto, alto de 800m, com densa Mata Atlântica que copiosa chuva e intenso calor traduz em umidade e dificuldades diversas. Como promover o crescimento? Afinal, a Vila de São Paulo em meados do século XIX teria cerca de vinte mil habitantes. E uma incipiente produção agrícola vinha do interior em tropas de semoventes por caminhos precários. 

Eis que, a capacidade de enfrentar desafios se apresenta na construção da ferrovia, ainda nos tempos do Império e inauguração em 1867 da Inglesa São Paulo Railway com seu sistema funicular auxiliando a tração na subida e retendo a composição na descida.  A disponibilidade da ferrovia foi o divisor de água do desenvolvimento. A irradiação por outras linhas para o interior desenvolveu novas vilas e atuais cidades, impulsionando a pujante economia. 

Com a mudança do poder imperial para a República, chega-se ao ponto de partida de uma nova era para o porto. A iniciativa privada foi chamada a instalar o porto organizado, com atracadouros em cantaria e armazéns amplos e espaçosos, iniciando em 1890, no Valongo e seguindo ao longo do Estuário. Fez a curva em Outeirinhos na virada do século XX, desmontando dois morrotes que foram usados para aterrar uma ampla esplanada, dando lugar a armazéns, ruas e linhas férreas sempre crescentes. 

A utilização do vapor como fonte de energia e movimento estava em mudança, para utilizar a eletricidade nos equipamentos e instalações. Outro desafio que a capacidade de um corpo de engenheiros com a visão extraordinária de Guilherme Weinschenk, com a inauguração da hidroelétrica de Itatinga em 1910, permitindo a utilização de guindastes elétricos. Para a cidade, a possibilidade de iluminação e outras, inclusive aposentando os bondes de tração animal.

Dai para frente, só crescimento e desenvolvimento, com o porto e a ferrovia tornando-se elementos decisivos para o progresso nacional. Segue-se num crescente de ampliação com a instalação da margem esquerda. Em 1981, encerra-se o ciclo da gestão e operação privada, assumindo a administração estatal. Que repassou a operação para terminais em áreas concedidas, na realidade da mudança decorrente da revolução dos contêineres, que transformou não apenas os navios e as operações, mas o próprio trade mundial de circulação das mercadorias. 

Avança-se neste novo século na era da automação. A substituição da mão de obra, principalmente nas tarefas penosas e arriscadas, fez cair drasticamente os índices de ocorrência e gravidade de acidentes. O conceito de um porto é referido não apenas pelas suas características geográficas, instalações e equipamentos, mas pelos seus resultados de movimentação e segurança, num aspecto global. A automação intensiva já é realidade em portos do mundo, nas atracações, na operação remota de gigantescos portêineres, nos veículos e equipamentos autoguiados. 

O que antes era a azáfama das fainas portuárias com mais de 10 mil portuários circulando no cais entre caixas, atados e lingadas, trens e caminhões, hoje se traduz em espaço restrito, onde a presença de poucos trabalhadores é admitida exclusivamente para deslocamento em trilhas marcadas. Ressalte-se que a contribuição do trabalhador portuário, experiente e dedicado segue indispensável ao desenvolvimento, parceiro dos empresários na relação capital-trabalho.

Ainda há muito a avançar, mas as características e diversidade das operações exigem o melhor da capacidade técnica e gerencial. Veja-se que apenas um veículo combinado transporta cerca de 40 toneladas de carga e seu peso total atinge 70 t. O que falar de trens gigantescos, locomotivas de 180 t e alta tecnologia tracionando composições de 120 vagões cada um superando as 100 t? Comparável ao peso de diversos elefantes da tropa da manada de guerra de Aníbal.

Como avançar de agora para o futuro? Este o desafio que ainda não está totalmente codificado. Voltar a ter uma administração privada gerenciando um conjunto formidável de terminais de características diversas para cargas de granéis sólidos e líquidos, contêineres, carga geral e de projeto, veículos e celulose, é possibilidade a conferir, já que o Porto é patrimônio do povo brasileiro.

Ampliar o porto para a zona oceânica exterior ou para montante, na zona continental, longe de áreas povoadas? Com riscos diferentes em um planejamento uniforme focado no desenvolvimento sustentado. Respeitar e ouvir a população das cidades que dependem do porto e dele se orgulham. Nestes 130 anos de Porto de Santos, preparar-se para a batalha a vencer, que requer a genialidade aliada à inovação.  

* Aureo Emanuel Pasqualeto Figueiredo, engenheiro e professor. Diretor da Unisanta. Diretor de Portos da AEAS. Atua no Porto desde 1970.
 

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