Artigo
Os frágeis protestos do ambientalismo tupiniquim, desautorizado e desprestigiado, não se mostraram suficientes para impedir a continuidade da barbárie. Será que a força de convencimento dos Estados Unidos também será ignorada?
Desmatamento ilegal na Terra Indígena Pirititi, em Roraima / Felipe Werneck/Ibama.
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Por José Renato Nalini
Os Estados Unidos sempre foram uma referência para o Brasil. Pensar que nossa colonização praticamente coincidiu no tempo. Pensar também que durante o Império, nossas moedas se equivaliam. Todos sabem o que aconteceu depois. A República é uma sucessão de retrocessos. Ninguém imaginaria que chegasse ao ponto que atingimos.
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O certo é que o Presidente Joe Biden está sendo pressionado por inúmeros setores, para se opor ao descalabro ecológico a que o Brasil foi submetido.
Os Estados Unidos constituem exemplo de Estado Federal. Nasceu exatamente ao contrário da Federação brasileira. Ali, cada Estado Federado era um verdadeiro país, dispunha de soberania, muito maior do que autonomia. Foi a cessão de uma parcela de tal soberania que deu origem à União. Aqui, um Estado unitário resolveu distribuir poder limitado e residual às suas Províncias. Nunca prosperou a ideia de Federação. Tudo orbita em torno à figura do Imperador, que ficou tatuada na consciência nacional.
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Os americanos têm experiência em atuar junto ao governo, que consideram mandatário da vontade popular. Há uma sociedade civil atenta a tudo o que ocorre no mundo e que possa afetar a vida dos americanos. Por isso, não deve cair no vazio a pressão provinda de vários setores, todos preocupados com o desmatamento, com a eliminação da biodiversidade, com a poluição dos rios nas reservas indígenas, por força de garimpo criminoso, com o desmanche das estruturas de tutela ambiental e com a passividade do povo brasileiro diante dessa catástrofe em marcha.
Foram sete ex-secretários e negociadores de políticas contra a mudança climática, a exigir que a grande potência atue, desta vez para o bem do planeta, não apenas para garantir interesses localizados. Para esse grupo, “a Floresta Amazônica é absolutamente essencial para o mundo. Ela estabiliza o clima e as chuvas da Terra, sustenta dezenas de milhões de pessoas e abriga mais animais do que qualquer outro lugar”, na fala do ex-Governador do Arizona e secretário do interior de Bill Clinton, Bruce Babbitt.
Não foi um apelo candente e abstrato. O grupo ofereceu um “Plano de Proteção da Amazônia”, fazendo eco a uma declaração de Biden durante a campanha. Ele dizia que os Estados Unidos precisariam reservar 20 bilhões de dólares para deter a destruição da Amazônia. Não é difícil para a nação mais poderosa do mundo obter recursos, principalmente porque salvar a última grande floresta tropical do globo é um investimento em vidas, não um dispêndio inócuo.
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São feras que tiveram grande atuação em vários governos e atuaram inclusive quando da celebração do Acordo de Paris e do Protocolo de Kyoto. Sabem o que falam. Por isso é que podem avaliar, talvez melhor do que os brasileiros, em pânico pela Covid e temerosos do que ainda está por vir, o desastre que é a destruição do nosso maior patrimônio.
Os interesses negociais americanos no Brasil têm consistência para forçar mudanças reais de atitude do Governo Brasileiro. O importante é que a lucidez que resta à nossa Pátria também acordou para a maior tragédia que poderia ocorrer com o Brasil. Quando se pensaria nos três maiores bancos unidos em torno a um projeto comum?
Os americanos perceberam que uma ação consequente não se fará por pífias declarações ou mensagens diplomáticas redigidas de forma anódina, como soem ser nas vias oficiais. Há métodos mais eficientes. Os acordos comerciais e toda relação que envolva transferência de recursos financeiros há de contemplar a observância da sustentabilidade ambiental. A sigla ESG veio para valer e estará no centro de todas as relações internacionais, que não podem se limitar ao toma lá dá cá!
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Nigel Purvis, ex-negociador climático dos Estados Unidos e diretor da Climate Advisers, um grupo que prepara políticas ambientais para o governo de Washington, detectou aquilo que ocorre e que não pode mais ocorrer: “Sem intenção, estamos criando incentivos financeiros para que criminosos incendeiem a Amazônia e a transformem em terras agrícolas”.
Se já existem barreiras para vetar madeira extraída da floresta, é preciso reforçar aquelas que também impeçam a entrada em grandes mercados de soja produzida em desmatamento, o gado ali criado. Além disso, a exigência de observadores internacionais, especialistas em floresta e preservação, precisa, a partir de agora, integrar acordos e contratos até há pouco meramente comerciais.
É o futuro da humanidade que está em jogo. Os frágeis protestos do ambientalismo tupiniquim, desautorizado e desprestigiado, não se mostraram suficientes para impedir a continuidade da barbárie. Será que a força de convencimento dos Estados Unidos também será ignorada?
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José Renato Nalini, presidente da Academia Paulista de Letras