X

Política

Sem fechar acordos, TCU causa danos irreparáveis, diz especialista em leniência

Leniência é a medida recomendada, inclusive pelo juiz Sergio Moro, para empresas que se envolveram em suborno

Folhapress

Publicado em 10/12/2017 às 17:01

Comentar:

Compartilhe:

A-

A+

Sem fechar acordos, TCU causa danos irreparáveis, diz especialista em leniência / Divulgação

O TCU (Tribunal de Contas da União) pode quebrar as empresas que fecharam acordo de leniência com o Ministério Público e desestimular que outras companhias corruptas busquem essa saída.

A análise é de um dos maiores especialistas em leniência do país, uma espécie de acordo de delação para empresas, o professor de direito da USP Sebastião Tojal.

Leniência é a medida recomendada, inclusive pelo juiz Sergio Moro, para empresas que se envolveram em suborno. A companhia confessa os crimes, paga uma multa e, em troca das informações que forneceu sobre os crimes, ganha o direito de voltar ao mercado.

Nada disso está acontecendo, segundo Tojal, que atuou nos acordos da UTC e da Andrade Gutierrez. Com quatro dos nove ministros investigados pela Lava Jato, há risco, segundo ele, de que tudo que o TCU fizer seja declarado ilegal.

"Se forem confirmadas as ameaças do TCU, ele será responsável por danos que serão irreparáveis por gerações", afirmou à reportagem.

PERGUNTA - O sr. foi o primeiro a fechar acordo de leniência com AGU (Advocacia-Geral da União) e CGU (Controladoria-Geral da União) para a UTC. Há vantagem nesse pioneirismo?
SEBASTIÃO TOJAL - A grande lição que retiro é que alguns responsáveis por esses órgãos ainda não enxergaram que o acordo de leniência é muito mais a expressão de política de Estado do que de política de governo. O Ministério Público tem essa compreensão.

P - O sr. quer dizer que o governo age por interesse político?
ST - Em vários momentos existiram interferências políticas. Negociações que deveriam ocorrer em seis meses, prazo estabelecido por lei, acabaram tomando mais de ano. Ocorreram sucessivas trocas de ministros, que interrompiam negociações. Voltávamos à estaca zero. Isso é mais política de governo do que de Estado.

P - Há tentativas de proteger o PMDB, partido do presidente?
ST - Vejo esse processo com muita nitidez no TCU. Acho que o TCU está vivendo um momento crítico e uma suspeição porque vários dos seus integrantes estão sob investigação.

P - Por que há a suspeição?
ST - Pela norma processual brasileira há, em tese, um interesse dos ministros [quatro dos nove são acusados de receber propina por delatores]. Já seria suficiente para o magistrado se declarar suspeito. Há um risco de amanhã essa suspeição ser reconhecida judicialmente, trazendo como consequência a nulidade de todos os atos. A grande questão é que até que se produza esse efeito...

P - Já será tarde para as empresas?
ST - Não tenho a menor dúvida.

P - O TCU bloqueou bilhões de empresas da Lava Jato. Há risco de elas quebrarem?
ST - Não tenho a menor dúvida. Não aguentam não porque a eventual declaração de idoneidade as impedirá de serem contratadas pelo poder público, o que já é grave. A declaração traz um sério problema para o mercado, especialmente financeiro, do qual essas empresas dependem. Os bancos cortam o crédito e sobem juros. Esse é o paradoxo.

P - Qual paradoxo?
ST - A razão pela qual o TCU decreta a inidoneidade e bloqueia bens é o suposto interesse público, o mesmo que animou os acordos de leniência. Na prática é um interesse público litigando com outro. Isso não existe. Interesse público só tem um. O que se percebe é que essas ameaças que têm sido veiculadas pelos ministros nos jornais irá significar a rescisão dos acordos, que já permitiram ao MP e à CGU arrecadar mais de R$ 6 bilhões só nos acordos de leniência. Não existe semelhante resultado na história do país.

P - Esses acordos vão tornar o mercado mais ético?
ST - A empresa que faz acordo tem todo o interesse que o mercado aja lealmente. Ela não quer a concorrência desleal de quem frauda a lei. O acordo tem como subfunção permitir que as empresas autoregulamentem o setor.

P - Não seria ingenuidade acreditar nisso de empresas que cometeram crimes em série?
ST - Acho que não. Os riscos de descumprir um acordo são imensos, e os mecanismos de aferição dos acordos são muito eficazes. Para que eles funcionem é fundamental assegurar uma contrapartida à empresa. Qual? A segurança jurídica de que voltarão a poder fazer contratos com o Estado, o que não aconteceu até agora.

P - O TCU age assim porque os ministros foram indicados por políticos do PT, PSDB e PMDB?
ST - Prefiro trabalhar no plano formal: os dados objetivos mostram que o órgão está sob suspeição. Há outro problema. Em 2015, o TCU baixou uma norma atribuindo a si poderes para firmar acordo. Ela traz previsões descabidas.

P - Por que descabidas?
ST - Acaba mudando a lei. Ninguém está discutindo a competência do TCU para fiscalizar recursos públicos. Esse papel, no entanto, não permite que o TCU seja uma instância revisora dos acordos. Essa competência é da União. O tribunal é órgão da Câmara.

P - Como é no exterior?
ST - Os acordos são celebrados com MP e União e submetidos ao Judiciário para análise da legalidade. Se é para aprimorar os acordos no Brasil, poderíamos submetê-los ao Judiciário, o que não está previsto na lei. O TCU pode fiscalizar contratos de leniência, mas não cabe estipular condições. Isso não existe em nenhum país.

P - Mais uma jabutica?
ST - Essa jabuticaba não foi criada por lei. Foi autoatribuição. Se as ameaças dos ministros continuarem, isso será levado ao Judiciário. A minha preocupação é como fazer para que essas empresas sobrevivam e usufruam do acordo. Não estamos falando de pouca coisa: elas geram emprego e riqueza. Se confirmadas as ameaças do TCU, ele será responsável por danos que serão irreparáveis por gerações.

P - Tudo que o TCU tem feito sobre leniência é ilegal?
ST - Vou dar um exemplo. Num acórdão sobre a usina Angra 3, o TCU determina que as empresas se autoincriminem, mas não oferece benefícios. Isso é inconstitucional. Seria como um acordo de delação sem benefício. Se isso prevalecer, ninguém mais fará acordo.

P - O TCU pode minar a Lava Jato?
ST - É meu grande receio. Os empresários se perguntam: por que me comprometi com tanto se nada do que prometeram está se efetivando? Vou à Petrobras, portas fechadas. Vou atrás de financiamento público, portas fechadas. Isso desestimula. Sem segurança jurídica, outras empresas não vão aderir aos acordos. Não é possível combater os malfeitos agindo ilegalmente.

Apoie o Diário do Litoral
A sua ajuda é fundamental para nós do Diário do Litoral. Por meio do seu apoio conseguiremos elaborar mais reportagens investigativas e produzir matérias especiais mais aprofundadas.

O jornalismo independente e investigativo é o alicerce de uma sociedade mais justa. Nós do Diário do Litoral temos esse compromisso com você, leitor, mantendo nossas notícias e plataformas acessíveis a todos de forma gratuita. Acreditamos que todo cidadão tem o direito a informações verdadeiras para se manter atualizado no mundo em que vivemos.

Para o Diário do Litoral continuar esse trabalho vital, contamos com a generosidade daqueles que têm a capacidade de contribuir. Se você puder, ajude-nos com uma doação mensal ou única, a partir de apenas R$ 5. Leva menos de um minuto para você mostrar o seu apoio.

Obrigado por fazer parte do nosso compromisso com o jornalismo verdadeiro.

VEJA TAMBÉM

ÚLTIMAS

Polícia

Homem bate em companheira grávida e é preso em Bertioga

A denúncia foi feita pela mãe da vítima, que tem 18 anos.

Santos

Hospital Pediátrico da Zona Noroeste deve finalmente sair do papel

O hospital terá a área térrea e mais cinco pavimentos. No imóvel em que ele será construído ainda será erguida uma escola e uma quadra poliesportiva

©2024 Diário do Litoral. Todos os Direitos Reservados.

Software

Newsletter