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Papo de Domingo

Papo de Domingo: 'O juiz Moro e a Lava Jato têm um olho só', diz Cascione

Vicente Fernandes Cascione tem 76 anos. Duas vezes deputado federal, ele não quer mais saber de política. Renomado advogado criminalista segue trabalhando por prazer.

Glauco Braga

Publicado em 29/07/2018 às 10:29

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Vicente Fernandes Cascione, duas vezes deputado federal. / Paulo Villaça/DL

Vicente Fernandes Cascione tem 76 anos. Duas vezes deputado federal, ele não quer mais saber de política. Renomado advogado criminalista segue trabalhando por prazer. Referência para muitos profissionais do Direito, não economiza nas palavras para revelar os meandros do Poder Judiciário e da política do Brasil.

Qual sua avaliação sobre o Supremo Tribunal Federal?

É impossível falar corretamente do Supremo, sem falar do Judiciário. Minhas críticas não são de hoje, são de muitos anos. O que está acontecendo hoje é consequência de muitos anos de críticas. Não feita só na televisão, mas que fiz em congressos com juristas importantes, quando era deputado, como jornalista, como palestrante e assim por diante. O Poder Judiciário do Brasil tem ainda os ranços de um tempo imperial, portanto ele tem uma auréola de ser um poder nobiliárquico, de nobreza.

Por isso, nós falamos Vossa Excelência; venerando acórdão, respeitável sentença; o ilustre magistrado; inclito (fabuloso) nas petições. Nós não, pois não uso isso. Eu vou direto e acabou. Essa reverência ao Poder Judiciário. É um poder que ainda mantém a fantasia como uniforme. Nós e os promotores usamos beca; os juízes, toga, como se isso emprestasse uma solenidade aos atos do Judiciário, que não dependem para ser solenes das vestimentas, dos trajes. O rei é rei mesmo que esteja nu. 

E o juiz Sérgio Moro?
Da mesma maneira que um juiz quando é um juiz com atributos, ele não precisa correr o mundo recebendo prêmios e homenagens, como está fazendo esse extremamente vaidoso Sérgio Moro. Não estou aqui com viés político, mas como observador do comportamento de um juiz que tem um olho só, uma mão só e uma única visão torta, estrábica. O STF, nada mais é, que o retrato desse Judiciário que durante um tempo era impenetrável, um poder oculto. Você não conhecia os intestinos do Judiciário. Você tinha a radiografia do Executivo, a tomografia do Legislativo, mas nem tinha o exame clínico do Judiciário, porque todo mundo tem medo do juiz, por que ele é a última instância do poder. 

De certa maneira ele é a última instância a qual todos os outros poderes se submetem, salvo quando derrubam a Bastilha e proclamam a Revolução Francesa. Aí, ninguém tem mais a cabeça em cima do pescoço com segurança. Quando o Judiciário começou a ser visto na sua operacionalidade, com filmagens. Eu não posso fazer uma audiência que vou fazer. Se eu quiser fazer uma sustentação oral e quiser filmar para guardar para meus netos verem, não posso. Ao menos, que Suas Excelências defiram um pedido neste sentido. O STF, ele próprio, resolveu se exibir, nos dois sentidos. Exibir como exposição e exibir dentro do critério do exibicionismo, narcisismo, de pessoas que não têm atributos do juiz, nem atributos do ser humano que poderiam estar além fazendo o papel do juiz. Eu vi vários supremos tribunais federal. Vi um que cassado um ministro, outros se demitiram em solidariedade. Isto em 1968. Vi um Supremo de Evandro Lins e Silva, Adauto Lúcio Cardoso, Galotti, Hermes Lima, de pessoas que estavam acima de qualquer suspeita, por isso mesmo, foram cassadas. Vi um Supremo de qualidade técnica jurídica excelente. Pessoas que eram especialistas no Direito. 

Como os tribunais mudaram? 
O que vejo hoje nos tribunais superiores, até pela quantidade de gente, já que você não tinha STJ, que foi uma criação da Assembleia Nacional Constituinte de 1988, da qual fiz parte como assessor jurídico elaborando texto constitucional, não era deputado. Era uma assessor técnico, jurista, chamado junto com outros juristas. Para dar sustentação a determinadas teses que estavam nas cabeças dos leigos e que precisam se tornar normas jurídicas constitucionais. Quando comecei a advogar, o Tribunal de Justiça de São Paulo tinha 15 desembargadores. 

Aquilo foi aumentando, aumentando, criaram o Tribunal de Alçada, pois o TJ já não dava conta, depois acabaram com o Tribunal de Alçada e hipertrofiaram o TJ de tal maneira que há desembargadores que não conhecem outros dos seus pares, porque são 360 hoje. Isto leva a uma queda da qualidade, a começar que o concurso para a magistratura tem um índice de reprovação extraordinário, como o próprio acesso da OAB, tem índice de reprovação de 80%. Além de cair o nível técnico das escolas de Direito que proliferaram, a partir do ministro Jarbas Passarinho, na década de 70, não só no campo do direito o ensino caiu, você hoje tem juízes, muitos deles despreparados do ponto de vista técnico, de conhecimento do ofício, do caráter da personalidade, consequentemente, da ética e assim por diante. O Poder Judiciário é um poder hoje, ressalvadas as exceções que sempre haverá, apodrecido. Mais apodrecido, pois ele é composto por pessoas que estão em condições vitalícias. São inamovíveis. Enquanto pelos outros poderes, ou pela canetada que nomeia ou pelo final de um mandato, são efêmeros. Você continua no cargo se for eleito ou se continuarei o nomeando de alguma maneira. Isto levou à intocabilidade do Poder Judiciário, a esta maligna reverência que faz. 

E a caixa preta que virou. Só se sabe do superfaturamento do juiz Lalau, na sede do TRT. A gente não sabe quanto custou para construir a Procuradoria Geral da República. Eu advoguei em vários países do mundo. Você vai a um tribunal e lá é um casebre. O STF é assim. O sujeito entra de carro pelo subterrâneo, não tem contato com ninguém, o carro para num tapete vermelho que o leve até um elevador privativo que o leva a um gabinete. Cada ministro tem um elevador privativo. 

No Congresso Nacional, punha a mão na porta do meu gabinete quem quisesse, a hora que quisesse. Aquilo era e é a Casa de Maria Joana. O cara abre a porta do gabinete para pedir emprego até para vender empadinha, enquanto que no STF, STJ para entrar, sendo advogado, tendo um caso no momento, você pena. Esta mania de grandeza, faz com que, os pretendentes ao cargo ao STF ou STJ, se humilhem, como alguns vieram aqui sentar nesta sofá (no escritório) pedir para eu interceder junto aos senadores para serem nomeados, quando eu era deputado. Teve um que só foi, pois eu dobrei o Antônio Carlos Magalhães (ex-ministro, governador da Bahia) que ia vetá-lo e eu tinha força para isso. Ele me respeitava e gostava de mim.

E o processo de indicação, é o problema?
Você acaba verificando é que o processo de escolha, que lutei contra na Constituinte, apesar de não ser deputado, só um assessor jurídico, mas mesmo que fosse não teria força, pois a maioria não prevaleceu nesse sentido. Eu dizia que tinha que acabar essa forma de nomeação. Ela é política. Quem indica é o presidente e o senado aprova. Depois que ele está aprovado, ele dá uma solene banana para todo mundo que ele bajulou. Tanto que esse que ajudei, no primeiro dia que precisei falar com ele sobre um caso que eu tinha lá, ele não me recebeu. Meti a mão na porta, na marra, e entrei. Perguntei: "Que história é essa? No meu escritório, eu lhe recebi", Ele disse "Não, sabia que era você". Ele me recebeu na marra, porque eu fui criado no Marapé. A indicação do presidente é política. A aprovação do Senado é política. Todos se fazem de cordeiro, até o momento que estão garantidos.

Qual a diferença do nosso STF para o norte-americano?
A indicação lá também é feita pelo presidente da República. O sujeito lá tem transparência antes de ser indicado. Você sabe quem é ele. Desaba o mundo em cima dele antes da indicação se ele tiver um viés torto, que não é ser republicano ou democrata, é não ter dignidade. Teve uma indicação agora que é unanimidade. Tanto que é contra o aborto, mas votava seguindo a orientação da Suprema Corte, contra a convicção dele. Lá, existe um outro tipo de cultura da corrupção moral e ética que temos aqui. Dos indicados aqui, o que mais poderia ser torto seria o Toffoli (José Antonio Dias Toffoli, e, ao contrário, é um dos mais direitos. Por quê? Escancaradamente, ele foi assessor jurídico da bancada do PT na Comissão de Constituição e Justiça, na década de 90, quando eu era deputado, um homem do Direito, mocinho, tanto que ele me chama de “mestre” até hoje. Eu era um deputado, formado de opinião ali dentro, macaco velho, e ele me respeitava muito e me respeita até hoje. Depois foi trabalhar no gabinete do Zé Dirceu (ex-ministro e ex-deputado), avaliando os aspectos jurídicos das matérias e, no entanto, ele não votou a favor do PT em muitas questões, nem mesmo a favor do Zé Dirceu em muitas questões. Você tem algumas pessoas ali dentro que mostram a cara. 

Uma delas, muita gente fala do Gilmar (Mendes) que foi homem do Fernando Henrique Cardoso e do PSDB a vida inteira, e continua sendo. Ele só não diz “eu sou PSDB até morrer”, mas age como tal. E para atenuar um pouco isso, ele começou a aplicar as teses que aplicaria ao PSDB ao PT até para poder aplicar depois ao PSDB se for preciso. É o mais escancarado. Você tinha o Joaquim Barbosa, um poço de vaidade e de complexo. Ele fez o comercial dele e deu no pé. Moço, com saúde, tudo em dia. Deveria ter continuado lá prestando um serviço à Pátria e se mandou, foi gozar à vida. Nada contra que o sujeito queira fazer isso, mas que não pareça antes que ele é figura do Catão (Aquele cujos hábitos, princípios ou costumes são exageradamente severos, austeros ou rígidos), intocável. 

Hoje, respeito de forma absoluta o Celso de Mello, que foi promotor aqui em Santos. Quando ele começou como promotor, eu comecei a advogar. Ele é um pouco mais novo do que eu, já estaria pela compulsória (aposentadoria) se não tivesse subido de 70 para 75 anos. Esse é um homem que tem compromisso exclusivamente com o direito. Tanto que dele ninguém tem o que dizer. Tenho repugnância pelo Barroso (Luís Roberto Barroso). Qualquer pessoa que seja minimamente sensível e inteligente percebe como ele se expressa, como fala, daquele jeito, já vê que com aquele sujeito você não vai para uma ilha deserta com ele. Mudaram os credos e as convicções que ele tinha. Joga exclusivamente para a plateia. Passando por cima da Constituição e ele é constitucionalista, escreveu livros. Foi mendigar em todos os lugares para ser ministro do Supremo e a Dilma o indicou. Depois, o que ele fez? Na hora de defender o Batisti, muito bem pago pela esquerda internacional, eu quase fui contratado. Cheguei a ser chamado em Brasília por uma pessoa conhecida por todo o mundo ocidental, escritora, que tem seu viés de esquerda, conversei com ela e com a irmã dela, mas depois prevaleceu o Barroso, que é um camarada que já tinha um trânsito dentro do Supremo, dentro da esquerda, do PT e, portanto, serviria não apenas para o julgamento para depois o Lula não deixar o cara ir embora. Ele é o antropófago maior de tudo aquilo que defendia, do time que jogava. 

Eu tenho hoje pelo Supremo falta de respeito. Considero o Supremo uma das causas de nós não termos uma legislação mais eficiente no Brasil. Porque o Supremo tem força para fazer o Congresso legislar, criando leis importantes que eles não criam, e limitam-se a cumprir leis iníquas, com pretexto que estão ali para cumprir a Constituição e as leis. É fácil dizer isso, sabendo que essa lei tem que ser mudada e que estou votando contra o direito. A lei nem sempre é conforme o direito. 

A Lei, às vezes, é o torto. O Supremo, pela forma que a indicação é feita, pelo comportamento desses que estão lá na sua maioria, alguns covardes, outros narcisistas, outros querendo jogar para plateia e decidir conforme a mídia, e a mídia está composta hoje por uma legião de semianalfabetos. O que você vê na Globo News, com aqueles palpiteiros todos, não sabem nada de direito, eles opinam como fossem juristas e não têm humildade de ouvir os que entendem. 

Levam sempre os mesmos que têm o viés de pensamento que eles têm o interesse em ouvir. Então, hoje é emasculado (sem virilidade), prestando um desserviço ao Brasil, um dos responsáveis pela lentidão da Justiça, e a gente tem que ouvir a opinião pública dizer “A Justiça é lenta”. Já que ela é lenta tem que condenar em Segunda Instância. O problema então é a lentidão da Justiça não é a falta de condenação em última instância. A regra é a condenação na última instância constitucional. Em segunda instância é inconstitucional.

O senhor acha que esse processo passou a valer tão rápido para prender o mais rápido possível o ex-presidente Lula.  É uma aberração para um criminalista?
É uma aberração para quem entende de direito e para quem consegue ler e entender o que está escrito na Língua Portuguesa. A Constituição diz: “Ninguém será levado à prisão, salvo se condenado em decisão irrecorrível”. Significa o quê? Só quando não houver mais nenhum tipo de instância e recurso, você pode colocar alguém para cumprir pena. Não que você não possa prender. Tem a prisão em flagrante, a preventiva, temporária. Todas essas. Dizem que “não julgam o mérito no Supremo e STJ”. Mentira. Acabei de absolver, há três meses, no STJ, a diretoria da Codesp, que estava sendo processada, pois teria deixado de fazer uma licitação, no caso que a lei exige. Eu provei que eles promoveram a licitação, isso é mérito, e o STJ, por unanimidade, absolveu todo mundo. A decisão definitiva é a única que pode estar errada, mas é a última e, pelo menos, tem um fim. Se você não quer que seja mais assim, então, faça outra Constituição. O que não pode é o órgão que tem que zelar pela Constituição decidir por 6 a 5, numa decisão absolutamente herética, uma heresia contra a Constituição. Quando você fala isso e diz que é uma aberração, a opinião pública diz que você está querendo defender o Lula, botar o Lula na rua, você é de esquerda, por que a opinião pública, ou melhor, a opinião publicada, a informação que é levada à população é precária.

Não é possível que 6 ministros do Supremo, primeiro que muitos não são constitucionalistas, e nenhum é penalista. O último penalista que existiu foi o Sepúlveda Pertence. O resto é civilista, administrativista etc. O direito penal é muito complicado. É outra história. Lida com o que existe de mais sagrado para o ser humano depois da vida que é a liberdade. Quando o Lula diz assim: “O Moro sabe que sou inocente”. Claro que o Moro não vai bater boca com ele, mas o Moro já disse na decisão dele que realmente a evidência material da propriedade está no nome do Lula não existe. 

Ora, mesmo que eu esteja absolutamente convicto, porque o barquinho tinha o nome da dona Marisa, ela ia lá, ela pediu para fazer uma reforma não sei onde, em nome de quem está o sítio? Do Lula? Então, você não pode condenar o Lula pela propriedade de um sítio que não está no nome dele. Não existe o está na cara.

Quando se prende alguém por uma sentença em segunda instância, sendo um ex-presidente, o senhor acha que o cidadão comum passar a ficar mais vulnerável? Como vê pessoas com provas e não evidências que estão soltas por aí? 

O Lula sendo ex-presidente ganha uma visibilidade tal que o mundo inteiro sabe que ele está preso e todas as pessoas do mundo sabendo que ele está preso ainda com recursos pendentes, todas essas pessoas têm uma inquietação. Se fazem isso, passando por cima da Constituição, por razões de natureza política manter preso um cidadão, aí vale para o Lula e para um pé-rapado que ninguém sabe quem é. A prova que ditadura ou ausência de democracia não depende de poder nas mãos da farda. Quando tivemos a farda no poder, que tinham um poder relativo, porque os civis da época é que mandavam, engabelando os militares, ninguém se iluda, os macacos velhos da políticas enredaram os militares de tal maneira que a ditadura se prolongou pelo interesse das elites políticas, empresariais etc. Os militares não têm a vocação autoritária. 

Uma coisa são os desdobramentos de determinadas situações que aconteceram durante o regime e que os paramilitares acabaram criando monstros. Quando começou atividade de reação armada e terrorista deu ao pretexto aos civis para dizer aos militares: “Está vendo, vocês não podem sair”. Aprendi a pensar muito cedo. Hoje as pessoas não pensam. Quem era o candidato dos militares no fim do regime? Todos dizem que foi o Maluf. Ele foi único que candidato enfrentou duas vezes os militares. Ele foi nomeado lá trás. Depois para o governo do Estado e presidente da República, ele opôs aos militares. 

O candidato dos militares era o Tancredo Neves. Para o governo do Estado era o Laudo Natel. Atribuíram ao Maluf uma pecha que ele não podia ter, na verdade históricos estão aí. Só pegar os jornais da época. O vice do Tancredo era um nome forte da Arena, o Sarney. Em São Paulo, ele ganhou e os militares chuparam o dedo. Em Brasília, perdeu para o Tancredo, que era o homem dos militares. Tanto era que, por que Ulisses Guimarães e Tancredo jamais foram cassados. Eles seguraram a alça do caixão do Getúlio Vargas, em 1954. No dia que o Getúlio se matou, teve uma reunião no Catete, Getúlio tirou uma caneta Parker que tinha, deu para o Tancredo e subiu. Qualquer idiota sabia que ele ia se matar. O clima estava daquele jeito. Ficou na moita e depois carregou o caixão. Era o primeiro, na frente. Esse cara atravessou de 54 até morrer como herói, com o Milton Nascimento cantando aquela música. Ninguém nunca mexeu com ele, nem ele cutucou os militares. 

No entanto quem o Brasil, a mídia principalmente, esses viúvos da revolução, apagam? Um dos brasileiros mais brilhantes que o país já teve, que foi Carlos Lacerda, que ajudou a fazer o movimento de 64, que todo mundo ajudou, que o País estava um caos, mas depois trombou com os militares e foi cassado. Ainda por cima, foi assassinado no hospital, pois até hoje ninguém explica a morte dele. Não se pode falar no nome do Lacerda. A história do Brasil talvez pudesse ser contada se tivesse alguém com boa fé e memória para dizer certas coisas porque não sabe, não quer ou não deixam.

O senhor acha que na redemocratização se todo o Poder Judiciário, que vinha da época da ditadura, tivesse sido trocado, hoje teríamos uma Justiça diferente?
Não dá para fazer uma revolução dessa sem fazer uma revolução. É como hoje. Todas as instituições estão funcionando. Você tem que trocar no Brasil duas coisas: a mentalidade da maioria do povo brasileiro e a cultura vigente. A mentalidade até daqueles que têm diploma de curso superior. Nem falando do sujeito que não sabe ler e escrever. Ele não tem discernimento, pode ser inteligente e intuitivo. Não tem conhecimento dos fatos, da história. Não acompanha em tempo real o que acontece. É um submisso ao Status Quo. Num País, em que entretenimento substitui a formação que deve ser dada, que não é dada pela escola e universidade, teria que ser pela televisão, que está dentro da sua casa 24 horas por dia falando. 

Dá para imaginar o efeito disso para o bem e para o mal? A Rede Globo de Televisão há 40 anos emburrece o Brasil. Isso é parte de um sistema. Eles não têm nenhum interesse em mudar o Brasil para algo diferente que ele é. Eles também não conhecem a história e as coisas explodem de uma forma aleatória, difusa, sem objeto. Sem meta. Uma hora você vê a violência na rua e pensa que é o crime organizado ou o bandido vigente. Na verdade, isso é um retrato de um povo que está despreparado, insatisfeito, lesado e qualquer dá sua resposta à sua maneira. O camarada que não teve formação, não foi amado, não teve família, teve tudo de uma forma torta, ele perde o senso ético e o respeito pela vida humana. 

Praticar crime é um hábito natural para muitas pessoas que não tiveram oportunidade de andar no trilho. Não adianta pensar que isso é infinito. Não é. A panela de pressão vai explodir se você deixar no fogo indefinidamente. Você não sabe em que momento, mas que vai, vai. 

Se o senhor fosse ministro da Justiça ou secretário de segurança como trataria essa questão do poder criado e incalculável das facções criminosas?
Se eu fosse o secretário ou o ministro da Justiça, no momento que isto estava começando a acontecer, na década de 70, nas minhas aulas e palestras, alertava que algo iria acontecer e me chamavam de apocalíptico. Se eu fosse ministro naquele momento, eu tentaria tomar providências, porque enquanto o ser humano está vivo, você tem condições de tratá-lo, até na UTI. Depois de morto, não adianta chamar o médico, você tem que chamar o agente funerário. Hoje, eu não teria o que fazer. Não vejo solução. Tem uma autosolução, autodissolução de um sistema que vai explodir, para qual direção não sei, mas que alguém vai levar vantagem e alguém vai se impor. Não posso dizer, pois não tenho vidência suficiente para dizer quem vai tomar conta disso. Nesse aspecto hoje, sou absolutamente cético. O Brasil não tem solução pelas vias normais. 

O tratamento tem que ser um que não conheço. Às vezes, o camarada descobre uma cura para certa doença. O que não tem cura passa a ter. A Sociologia é uma ciência exata como a matemática. Não é difícil adivinhar o que vem pela frente. Na Sociologia, o que está acontecendo e ou que venha a acontecer no Brasil está ali na foz, desse rio está correndo para frente. 
Temos uma eleição que é uma das mais críticas da história da República. Faltam menos de três meses. Não existe espaço na mídia para os candidatos ficarem dia e noite, serem mostrados, sabatinados, expostos perante toda a Nação durante três, quatro meses, para você virá-los do avesso. Você mostra uma novela que dura uma hora, depois outra, uma Copa do Mundo que dura horas por dia, com bobagens e não tem os candidatos falando, porque a lei não deixa. Se eu fosse candidato, eu tinha que estar fora da televisão. Na verdade, eu tinha que estar dentro. Quem é candidato tem que estar exposto. 

Você não sabe o que pensa a Marina, o Ciro Gomes, o Bolsonaro. Sabe de frases tuitadas a respeito deles. O Bolsonaro é um que é atingido de uma forma brutal, por fake news. Ele fala um monte de besteira? Não, ele fala uma porção de coisas que tem que falar e depois será avaliado por isso. Muita gente acha que ele está certo. O problema é dar o direito a ele de falar sobre tudo. Você poderia comparar e ver como se comportaram.

Eu fui companheiro na Câmara dos Deputados, por dois mandatos, do Bolsonaro. Eu nunca vi o Bolsonaro atacar ninguém, estuprar ninguém, comer ninguém, ofender ninguém, nada disso. Era um homem educado, que sabia ouvir, debater. Agora, ele teve um atrito com a Maria do Rosário? Sim. Vai ver como a Maria do Rosário te provoca. Por que uma coisa é a Maria do Rosário e outra coisa é a Gleise Hoffman. A Maria do Rosário é uma cega. Se você conversar com ela e disser 100 coisas a favor dela e uma contra, ele te elimina. O Bolsonaro deu a Maria do Rosário uma resposta que era àquela altura que ela merecia ouvir em razão do que ela fez. Isso tudo não visto, dito e mostrado pela mídia. 

Qual sua avaliação da Operação Lava Jato?
Eu acho que a Lava Jato tem um olho só. A República de Curitiba tem um objetivo que não é só o de fazer e punir corruptos. É punir alguns corruptos e poupar outros. 

E a Reforma Trabalhista?
Se o Brasil usasse todas suas potencialidades e seu dinheiro só empregando-o de uma forma absolutamente correta, lícita, dando prioridades, não precisaríamos de Reforma Trabalhista. O que não pode é o Brasil ser o maior exportador de café, desde o café existe, e o maior produtor hoje é a Alemanha. Isso é um exemplo como não sabemos o que fazer com nossas riquezas. Nós exportamos a matéria-prima para os outros industrializarem e nos venderem com ágio absurdo e nos explorarem em cima daquilo que damos para eles. Eu dou para você a areia, você transforma em vidro e eu compro o vidro.

Você me pagou um preço vil e me vende por um preço altíssimo. Isso é um País que não teve gestão, não tem.

Quando você vê hoje o governo Temer na mão de Padilha, Moreira Franco, Geddel. Esses camaradas são gângsteres. Do mesmo jeito que o PT quando assumiu o poder, no primeiro mandato, eu fui vice-líder do Lula, sem ser petista, ao contrário, sempre fui vítima do PT, mas por uma questão de coerência ali eu estava ajudando ao governo do Brasil. 

Isso teve reflexos no seu eleitorado?
Na eleição seguinte, não consegui me reeleger. Fui muito mais votado depois, na outra eleição do que naquela que eu tinha mandato e fiz muitas coisas, dentre elas a Avenida Perimetral de Santos. Foi obra minha. Não consegui fazer o Mergulhão, mas a Perimetral eu fiz. Todos esses armazéns caindo aos pedaços consegui que o governo desse para a Prefeitura. 

Hoje, estão ai e o governo tomou de volta. Essa vergonha que está o Centro Histórico. Eu tinha força. O Lula me respeitava pra caramba. Eu disse para ele. “Sempre fui seu inimigo e o senhor está me chamando para ser vice-líder do governo. Por isso, que estou lhe chamando. Não fomos inimigos, mas adversários. O senhor foi um adversário competente, honesto, leal e que nós queremos do nosso lado. O senhor não vai trabalhar pra mim nem para o PT, vai trabalhar para o governo do seu País. É o País dos seus filhos e dos seus netos. Não pode me negar isso. Eu ia ficar como deputado batendo e o governo com uma aprovação incrível. O Lula foi reeleito no primeiro turno. 

Todo mundo ganhando dinheiro, dos mais ricos até os mais pobres. A gente tem que parar para pensar no Brasil sempre com um pé atrás. 

Dr. Cascione, como o senhor vê a representação política da Baixada Santista na Assembleia Legislativa e na Câmara dos Deputados?
A Assembleia eu acho uma excrescência. Na verdade não tem importância de existir. Até questiono, às vezes, se deveria existir Câmara dos Vereadores, conforme o modelo que temos hoje. Quem dá esse exemplo é a presidenta da Croácia. 

Mentalidade. Mulher pega um avião de carreira, paga a passagem do bolso, vai para a arquibancada, com a torcida, abraça os jogadores maternalmente, e é admirada por todo mundo. Isso é mentalidade que advém de sangue derramado, querra, opressões, dificuldades. Você não constrói um país com Carnaval, futebol, balada, cerveja. Pode esquecer. A França pode se dar ao luxo de lotar a Champs Élysée festejando a Copa. Porque ela lota a Champs Elysée como na Primavera de 68.

O problema todo é o povo não pode viver de praia, Carnaval, botequim, funk. Que juventude você está formando? Você pega o nível artístico de hoje. Quando você não tem arte, um poeta escrevendo, jornalistas falando “tipo assim” “e aí” procurando a palavra. Um motorista de táxi na Argentina conversa com você como estadista. Quando o sujeito perde a capacidade de articular a palavra é sinal que ele não tem treino cerebral. Peguei um jornal e encontrei três, quatro erros na capa. Isso não é culpa das pessoas individualmente. É culpa do sistema. Eu me sinto um peixe fora d´água. 

O que estou fazendo hoje? Não assisto mais o Jornal Nacional. Se eu tiver que me informar de alguma coisa, vou ver de um jeito que não seja obrigado a engolir o sistema com areia grossa e caco de vidro. 

Não temos representação à altura dessa região. Os últimos foram o Gastone (Righi), depois o Koyu (Iha), o Del Bosco (Amaral) e Vicente Cascione. Eu vi esses caras e me vi atuando. Tenho aqui um livro “Os melhores debates da Comissão de Constituição e Justiça” editado pela Câmara, de tão brilhante que era aquela Câmara naquela legislatura. Eu estou lá com muita honra. Eu era respeitado. Entrava em qualquer ministério e ninguém era capaz de dizer “não atendo”. 

No Palácio do Planalto, os caras batiam continência e eu não tinha que mostrar credencial para ninguém. Ou você faz que sua carteira tenha força pela sua força moral, não é a carteira que vai lhe dar força pelo brasão que tem nela.

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