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Papo de Domingo

Amyr Klink e sua visão sobre a região

PONTES BAIXAS. “Elas acabaram com a navegação. A conexão das cidades litorâneas na Baixada Santista era toda feita pela água e fazia todo sentido”

Vanessa Pimentel

Publicado em 18/12/2016 às 11:30

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Amyr Klink concedeu entrevista ao Diário do Litoral / Divulgação

“Eu sou contra essa história de preservar proibindo as pessoas de acessarem. A gente tem que preservar a Amazônia vivendo dentro da Amazônia, precisa preservar as ilhas de Paraty morando nelas”.

Assim pensa Amyr Klink, empreendedor do mundo náutico, ou apenas, um homem do mar. Vez em quando se arrisca também pelo mundo das palavras, com cinco livros lançados. As páginas guardam as histórias e a visão peculiar de Amyr, desde o planejamento até a realização e rotina das grandes expedições pelos oceanos. A primeira delas, em 1984, quando atravessou o Atlântico, solitário, em um barco a remo.

Depois de estudar as condições oceânicas, astronomia e claro, o motivo da morte de outras pessoas que tentaram realizar a travessia, Amyr saiu da Namíbia, na África, em direção a Salvador, Brasil.

Em entrevista ao Diário do Litoral, Klink levanta a bandeira sobre inovação e divulgação da cultura náutica no País.

Diário do Litoral - Você já citou que a Baixada Santista tem o mais importante complexo de canais naturais navegáveis, mas que foi destruído com a construção de pontes baixas e a ocupação irregular em áreas de manguezais. Qual o impacto desse cenário?

Amyr Klink - O problema é bem anterior ao fato de existirem ocupações irregulares. O problema é que em algum momento da história do Brasil, nós fomos corrompidos pela indústria automobilística, quando a gente achou que o futuro da humanidade ía ser o automóvel e o País entrou em um processo sistemático de extinção da rede ferroviária e transporte ferroviário em todas as cidades. De repente, a gente entendeu que o futuro seriam as estradas, aquela frase imbecil: “Governar é abrir estradas” (lema do presidente Washington Luís). Nessa época, começou a construção das rodovias que acabaram castrando todos os canais navegáveis. A Baixada Santista, junto com a Baixada Fluminense, os rios Capibaribe e Beberibe, Baía da Babitonga, constituíam um conjunto único de canais navegáveis naturais que foram mortos de propósito. A decorrência disso foi um processo de empobrecimento e no caso da Baixada Santista, o que gerou essas áreas de ocupação irregular. Já as pontes baixas, temos, por exemplo, a Ponte Pênsil, em São Vicente, e aquela ponte cretina que tem que ser demolida, em Santa Catarina. Elas acabaram com a navegação naquelas áreas. A conexão das cidades litorâneas na Baixada Santista era toda feita pela água e fazia todo sentido, era muito mais barato. No mundo inteiro o esforço para preservar isso é brutal, mas no Brasil a gente faz o contrário.

DL – Outra questão que parece um tanto futurística é o conceito das cidades flutuantes. Se esta ideia fosse aplicada nas habitações sobre os manguezais, poderia ser uma solução?

Amyr - No Brasil, a gente não conhece o conceito das cidades flutuantes, mas é uma hipótese para remediar, para mitigar esta situação social que é gravíssima, hoje. No caso desses bairros palafitados que a gente vê em Santos, Guarujá, Vila Zilda e não vai conseguir reverter, poderiam ser agregados valores urbanísticos. Por exemplo, você pode colocar uma escola flutuante, um posto de saúde flutuante porque a conexão pela água é muito mais inteligente e rápida, não tem trânsito. Você faz uma escola com ar-condicionado e equipamentos de primeira com ¼ do preço. Constrói em cima de uma plataforma que cala 30 cm e que pode ancorar no meio da comunidade. A solução flutuante é muito barata, mas muitos engenheiros não conhecem, nem sabem calcular este tipo de estrutura. Formam-se engenheiros que nunca mexeram no cimento.

DL - E por que essas práticas são tão desconhecidas?

Amyr - Porque nós não temos cultura náutica no Brasil.

DL – Para você, os brasileiros não olham para o mar como um espaço a ser aproveitado socialmente e turisticamente?

Amyr - O Rio de Janeiro é a única cidade turística com praia no mundo onde não se vê um veleiro. Os cariocas morrem de medo do mar. O Rio não tem uma locadora de barco, você não aluga um barco para sair e passear por lá e essa é uma atividade que eu tento explicar que gera muita riqueza, muita. Eu cito sempre cito o caso mais antigo que é Palma de Mallorca, na Espanha. Palma de Mallorca fatura por ano com serviço de locação, de prestação de serviços turísticos em barcos alugados, R$20 bilhões de reais por ano. R$ 20 bilhões de reais é o PIB de todo turismo brasileiro. Em Santos, caberiam umas cinco Palma de Mallorca. Para isso precisaria ter uma política, uma estrutura aonde o estado faria a concessão e exploradores privados explorariam essa concessão. É assim que funciona no mundo todo, mas a gente tem vários problemas culturais. O brasileiro rico é estúpido, então ele acha “quando eu tenho dinheiro, eu compro um barco só pra mim”. Ninguém compra um barco na Europa para ser apenas de uso particular. Uma embarcação é cara para manter, então o proprietário compartilha o uso dela com empresas de turismo náutico. Essa atividade contamina positivamente tudo em volta, restaurantes, hotéis. Ela tem um poder de capilarizar o turismo.

DL- Qual a sua opinião sobre o turismo no Porto de Santos?

Amyr - O Porto de Santos é obsoleto, é um dos últimos portos do mundo que opera com capacidade plena dentro de uma cidade. Todos os outros grandes complexos portuários foram se retirando dos centros urbanos e a parte antiga dos portos que estava muito colada no centro da cidade foram transformadas em portos de turismo. O problema é que o Porto de Santos, tecnicamente, tem características muito interessantes e valiosas e não tem uma área de porto adicional muito distante do centro. Então, sempre haverá atividade comercial. No mundo náutico, há dois tipos de turismo: o de grandes navios e o de veleiros e barcos pequenos. Turismo em cruzeiros acontece, já o realizado em barcos pequenos não.

DL- As soluções de engenharia e arquitetura planejadas para veleiros são muito sustentáveis. Elas poderiam ser aplicadas em construções residenciais?

Amyr - Tem muita solução interessante que vem do mundo náutico, principalmente no meio da vela, mas existe um desconhecimento muito grande. A gente se habituou a usar as soluções prontas que estão no mercado. Cada descarga nessas válvulas Hidra, Deca, gasta de 10 a 15 litros de água. No barco, a gente usa 450 ml. Uma bomba de vácuo para funcionar no barco precisa ser à prova de água salgada, numa casa não, pode ser de plástico. Não é caro para fazer. O problema é a escala, precisa ter demanda e o consumidor tem que começar a exigir, tem que começar a pensar.

DL – Acredita que a sociedade caminha para um futuro com práticas mais sustentáveis?

Amyr - Minha esposa tem um blog que fala sobre café e agora a moda é este tal de café Nespresso, em cápsula. Eu já falei para ela que não quero mais isso. Tem uma menina que trabalha em casa e em sua santa simplicidade, me falou que não gostava desse café. Eu perguntei por que e ela respondeu: “ele não tem cheiro”. Fiquei pensando nisso e fui conversar com o dono da padaria, perguntar por que ele ainda mantinha uma máquina de moer café, já que as pessoas só pediam Nespresso. Ele respondeu que era para perfumar a padaria, fazer o cheiro de café, entende? Vivemos assim, hoje. Estamos acostumados em hábitos de consumo terríveis. É preciso simplificar o processo de reciclagem. As indústrias também precisam se responsabilizar pela destinação final correta dos produtos que geram e fechar o ciclo. Pena que eu acho que não vou estar vivo para ver isso.

DL – Acha possível uma futura migração de uma parte da sociedade para o mar?

Amyr - É uma utopia achar isso de um modo generalizado, mas em muitos países é uma hipótese. Por exemplo, Singapura é uma cidade que não tem mais espaço físico para crescer e uma das alternativas é o mar. Tem vários países da Ásia e Oriente que consideram isso uma possibilidade. O Brasil tem alguns, digamos ecossistemas, que permitiram o uso da água como moradia, por exemplo, o caso da Amazônia e do Pantanal.

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