Mulheres relatam preconceito sofrido no mercado de trabalho

O sexo, a cor da pele, o cabelo crespo e o peso são alguns dos aspectos que, mesmo de forma velada, eliminam candidatas na entrevista de emprego

8 MAR 2018 • POR Caroline Souza • 11h59
Personagens contaram suas experiências ao Diário do Litoral - Rodrigo Montaldi/DL e Arquivos Pessoais

Para algumas pessoas, não basta ter um excelente currículo e qualificações de acordo com a vaga exigida. O sexo, a cor da pele, o cabelo crespo e o peso são alguns dos aspectos que, mesmo de forma velada, eliminam candidatas na entrevista de emprego.

Uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), feito com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), revelou que as desigualdades entre homens e mulheres ainda são grandes. Uma delas é a ocupação de cargos de gerência. As mulheres ocupam apenas 38,5% dos cargos. No caso de mulheres negras, a proporção cai ainda mais, apenas 34,5%.

“A gente percebe, no processo de seleção, um privilégio da pessoa branca, em detrimento da negra”, revela a educadora social e ativista dos direitos humanos na questão de raça e gênero, Ornella Rodrigues.

No entanto, muitas vezes o racismo só é percebido depois. “Tenho um ótimo currículo, habilidades e expertises na área de educação e projetos sociais, mas fazia as entrevistas, passava nas dinâmicas e nunca me chamavam”, lamenta Ornella. “As contratadas eram brancas”, complementa.

O termo ‘boa aparência’, apesar de proibido, ainda é frequentemente encontrado nos anúncios de emprego. “Exigem boa aparência, que é um cabelo liso, escovado, pele clara, enfim, requisitos de uma pessoa padronizada branca, especialmente quando se trata de atendimento ao público”, esclarece a educadora social.

Para essas pessoas, sobram vagas em que o público não vai saber quem você é, como as de telemarketing. “Ali, ninguém sabe se você é branca, negra, magra ou gorda”, salienta.

Quando a educadora social finalmente percebeu o preconceito, ao invés de se esconder, decidiu assumir suas raízes e militar para que esse tipo de atitude não continue se reproduzindo.

“Entrei em processo de transição capilar - quando a pessoa assume o cabelo natural - e cultivo meu cabelo há nove anos. Antes eu alisava por questões de embranquecimento, mas que não estavam necessariamente ligadas ao mercado de trabalho”, finaliza.


A fotógrafa e Assistente Social, Juliana Florentino, já sofreu preconceitos por causa da cor, do cabelo e do peso. Assim como Ornella, Juliana também demorou a perceber os casos de racismo em entrevistas de trabalho.

“No momento sequer percebi, porque nós, negros, somos condicionados a achar que falas pejorativas são normais. Não são”, afirma a fotógrafa. “No fundo eu sabia que a vaga foi negada a mim, diversas vezes, porque eu não condizia com o estereótipo europeu”, completa.

Já trabalhando, Juliana enfrentou situações de preconceito como fotógrafa e como assistente social. De acordo com ela, os diálogos são: “Gostaria de falar com a fotógrafa” ou “Você pode chamar a assistente social?”. “Não nos reconhecem enquanto pessoas que tenham estudado ou tenham uma profissão, entendem que só podemos ter subempregos”, desabafa.

Assim que se formou, nos anos 90, a advogada Tatiana Evangelista procurou emprego em diversos escritórios de advocacia da região, mas nunca conseguiu uma colocação. “Exigiam currículos com foto. Eu via minhas amigas conseguindo boas oportunidades e eu não”, relembra.

Hoje, ela só é capaz de exercer sua atividade porque abriu seu próprio escritório, mesmo sem experiência e com diversas adversidades.

Como com as outras vítimas de racismo aqui relatadas, os casos com Tatiane também foram velados. Dessa forma, sua maior atitude foi fazer militância. “Entrei para a militância pela igualdade racial, a fim de me informar e me empoderar enquanto mulher negra”, esclarece.

Cabelo crespo

Segundo Juliana, seu cabelo e corpo também incomodam os outros e geram situações preconceituosas, por não se encaixar nos padrões. Para tentar combater esse tipo de ação, Juliana faz parte do Coletivo de Mulheres Negras Ecoa Preta, que trabalha para fortalecer as mulheres negras, sua identidade e particularidades.

A assistente social chegou inclusive a alisar o cabelo por muitos anos. Sua religião foi fator determinante para raspar a cabeça e assumir seu cabelo. “Era algo que já queria fazer, mas não tinha coragem. Hoje, é a coroa que carrego comigo, que traz toda a força para enfrentar qualquer coisa, é a coroa de ser você mesma, rainha de si”, declara.

Conhecer outras mulheres negras de cabelo natural e começar a fazer leituras de autoras negras também foi primordial para que Juliana se aceitasse.

Hoje, suas duas profissões permitem que ela traga a representatividade negra para seu universo. “Tenho paixão por fotografar mulheres, principalmente negras. Depois de finalizar a faculdade de Serviço Social, montei um projeto autoral chamado ‘Olhares da Negritude’”, conta. O projeto rendeu exposições em quatro locais e estará, hoje, no Museu da Imagem e do Som, em Santos.

Segunda Tatiana, o cabelo está no ‘pacote’ da discriminação. “Negras que possuem cabelos alisados são mais próximas do fenótipo europeu e encontram menos dificuldades, porque o Brasil ainda tem a ‘cultura da morenice’”, afirma. “O cabelo das negras é a parte do biótipo que as pessoas tratam com maior perversidade”, completa.

A Advogada alerta para o fato de que as negras não são obrigadas a usarem seu cabelo natural, mas devem fazer suas próprias escolhas. “É preciso ter consciência da africanidade e do pertencimento. Desejamos que as mulheres usem os cabelos que quiserem, por liberdade de gosto e de escolha, não por imposição social”, adverte.

Gordofobia

Se para Ornella, Juliana e Tatiana as situações de preconceito foram veladas, para Darlhane Cordeiro, não. A vendedora e influenciadora digital, mais conhecida por Darling, ouviu do próprio recrutador que foi a última opção por conta do seu peso.

“Fui a uma entrevista para trabalhar na chapa de uma lanchonete. Todas as meninas ficavam muito tempo conversando com ele. Eu era a única gorda, fui uma das últimas e ele mal me perguntou alguma coisa”, relembra Darling.

Outra pessoa foi chamada para vaga, mas acabou desistindo, assim como todas as outras candidatas. “Como eu era a última e ele estava com pressa, acabou me chamando para ocupar o cargo”, diz.

Darling trabalhou no local por mais de um ano e, após um tempo, o recrutador - e chefe - foi até ela pedir desculpas. “Ele disse que tinha se enganado, que na entrevista achou que eu não conseguiria trabalhar por ser gorda, mas que acabei me saindo melhor que todas na função”, completa.

Apesar de a situação ter dado uma reviravolta, Darling se sentiu discriminada, por ter sido chamada apenas após todas as outras desistirem da oportunidade. “Fui a última opção”.

Para mostrar que se vestir bem não tem nada a ver com o peso, Darling criou perfis em redes sociais, nas quais posta seus looks e dicas diariamente. Sob o nome ‘Gordinhas sempre na moda’, a influenciadora acumula mais de 30 mil seguidores em uma das redes.

“Depois que eu criei os perfis comecei a me sentir melhor com meu peso. Tinha vergonha de usar roupa de alcinha ou até mesmo vestidos”, revela. “Também sentia raiva de ser chamada de gorda. Hoje, se dizem que sou forte, fofa ou cheinha, digo que sou gorda mesmo. Me sinto muito bem e me aceitar foi a melhor coisa que fiz por mim mesma”, afirma.

Mesmo assim, até hoje, Darling só procura empregos em lojas de moda plus size. “Infelizmente o mercado é assim. Dificilmente pegam uma gorda para trabalhar”, finaliza.

Caminhos jurídicos

Tatiana já foi assessora jurídica da Coordenadoria da Promoção de Igualdade Racial Étnica de Santos, em que era responsável por viabilizar juridicamente políticas públicas municipais de combate ao racismo e a discriminação e trazer reflexões sobre as necessidades do munícipe santista, nos assuntos da igualdade social. Além disso, foi coordenadora da Comissão de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) - Santos, recebendo denúncias de racismo e orientando as vítimas juridicamente.

Quando uma mulher suspeitar que não conseguiu uma vaga por discriminação, é importante se cercar de testemunhas. “O ideal é pegar os dados de outras pessoas que participaram do processo seletivo, a fim de buscar provar junto ao Judiciário a atitude violadora de normas constitucionais, civis e criminais. Além disso, a vítima deve procurar a OAB ou o Ministério Público para dar notícia do crime”.