‘Faz escuro, mas eu canto’

Carlos André Conceição Alves conta ao DL a história dramática envolvendo discriminação e covardia a qual foi submetido

30 NOV 2017 • POR • 11h15
André Conceição Alves, 34 anos, estudante de História na Universidade de São Paulo (USP), membro da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) e da União de Negros e Negras pela Igualdade (Unegro) - Rodrigo Montaldi/DL

Essa frase, do poeta amazonense Thiago de Mello, foi escolhida pelo santista Carlos André Conceição Alves, 34 anos, estudante de História na Universidade de São Paulo (USP), membro da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) e da União de Negros e Negras pela Igualdade (Unegro), para sintetizar a história dramática envolvendo discriminação e covardia a qual foi submetido.

Ele foi barbaramente agredido por cerca de 10 pessoas, entre 11 e 12 de novembro últimos, na região do Ipiranga, em São Paulo (Capital), por acreditarem que se tratava de um bandido. Carlinhos Alves, como é conhecido pela classe estudantil de Santos, é funcionário público municipal, na função de oficial administrativo, na Unidade Municipal de Ensino (UME) Andradas I, localizada no bairro da Aparecida.

Ele está afastado do trabalho por problemas psicológicos e deverá se submeter a novos exames no próximo dia 1. Em entrevista ao Diário, ele contou as 48 horas em que ficou entre a vida e a morte. Confira os principais trechos:

Diário - Você foi julgado e sentenciado por puro preconceito. Foi isso?
Carlinhos Alves - Fui torturado duas vezes e por horas seguidas. Eu fui para São Paulo caminhando pois sou atleta desde os 12 anos. Na Capital, pedi informações para chegar à estação do Metro mais próxima para chegar ao Butantã. As pessoas, baseadas em minha aparência, me davam qualquer informação e acabaram por me levar a uma região desconhecida próxima de Heliópolis.

Diário – Você toma medicações?
Carlinhos – Sim e confesso que estava as negligenciando e, portanto, um pouco confuso. Estava com celular, notebook e uma pasta com documentos pessoais. Estou querendo morar em São Paulo onde estudo e pretendo me desenvolver profissionalmente. Acabei entrando em algumas vielas e, num certo momento, os moradores começaram a acreditar que eu era um assaltante e que iria invadir as imóveis. Eu havia caminhado mais de 12 horas, só com café da manhã e cansado.

Diário – As pessoas foram te acusando? Quantas eram?
Carlinhos – Em torno de dez homens. Longe das mulheres, me levaram para um canto e começaram a me bater. Era madrugada de sábado para domingo. Desmaiei diversas vezes. Me acordavam com socos, chutes, pauladas e baldes de água. Apanhei até domingo de manhã e me dispensaram sem meus pertences.

Diário – Você conseguiu caminhar após os espancamentos?
Carlinhos – Sim e pedi carona para um motorista de ônibus. No terminal próximo, todo machucado e sujo, de novo recebi informações erradas até que acabei no mesmo local pois estava totalmente desorientado. No domingo à noite, após conseguir um banheiro, fui retirado à força e, por conta de uma coronhada, tive um afundamento de crânio e fratura na costela. Fui privado de sono, água e comida. Após ameaçarem me matar e diante de minha súplica, resolveram me colocar no porta-malas de um carro e me jogaram numa rua próxima da divisa entre a Capital e o ABC. Antes de irem embora, urinaram sobre meu corpo.

Diário – Quem te ajudou?
Carlinhos – (emocionado) Moradores próximos. Eu cheguei até eles praticamente rastejando quando vi uma luz acessa pedi que me levassem para um lugar seguro. Queria muito lembrar exatamente quem eram, pois eles salvaram minha vida. Fui conduzido para a UPA (Unidade de Pronto Atendimento) da Paulicéia, de São Bernardo do Campo, onde fui muito bem atendido, mas não lembro por quanto tempo permaneci lá.

Depois, fui encaminhado para um hospital em São Bernardo, onde permaneci até o último dia 16, quando consegui lembrar minha identidade, endereço e telefone de amigos e meus pais, que foram levados a minha presença pela direção da CTB. Estou de licença médica na USP e consegui registrar a ocorrência dia 17. Tudo continua nas mãos de meus agressores e isso está me deixando muito apreensivo.

Diário – Após tudo isso, como você avalia tamanho preconceito?
Carlinhos – Eu conheço boa parte do Brasil e alguns países. Falo e escrevo espanhol fluentemente. Na USP estou aprendendo inglês, francês e outras línguas gratuitamente por conta de um curso que promove intercâmbio. Costumo dizer que, por trás de um perfil, há uma história. Se você andar entre o jornal e o centro da Cidade, vai encontrar diversos moradores de rua pós-graduados. A Assistência Social de Santos, diariamente, recebe pedidos. Mas não para abrigar e ajudar, mas para tirar o morador de rua da porta porque ele estaria fedendo. É triste, mas é a realidade. Eu gostaria que todos tivessem as mesmas oportunidades de estudo que eu tive. Que possam trabalhar e aposentar com dignidade. Que possam viver livres e felizes. No Brasil, o racismo e a discriminação são disfarçados.