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Papo de Domingo: 'A final contra o Milan foi o jogo da minha vida', diz Pepe

O ex-ponta-esquerda comenta sobre a final do Mundial Interclubes de 1963, o Santos na Copa Libertadores, Seleção Brasileira e relembra histórias time de Pelé e companhia

Pedro Henrique Fonseca

Publicado em 03/09/2017 às 10:00

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Parede da casa de Pepe abriga conquistas da época de jogador / Pedro Henrique Fonseca/DL

José Macia, o Pepe, o maior artilheiro humano da história do Santos FC - pois, segundo ele, Pelé é de outro planeta - é o entrevistado dessa semana no Papo de Domingo. O ídolo do Santos FC relembrou ao Diário do Litoral histórias e curiosidades das épocas como jogador e treinador, além de comentar sobre o Peixe na edição deste ano da Copa Libertadores da América e a fase atual da Seleção Brasileira, sob o comando do técnico Tite.

O ex-ponta esquerda elegeu os jogos contra o Milan, em 1963, e contra o Taubaté, em 1955, como os maiores jogos da sua vida. Entenda os motivos no bate-papo realizado na casa do ex-jogador, em Santos. 

Diário do Litoral - O senhor elegeu a final do Mundial Interclubes de 1963 como o maior jogo da sua vida por quê?

José Macia, o Pepe - Nós tínhamos perdido o primeiro jogo por 4 a 2, em Milão. Eu não vivia uma grande fase na época e, no segundo jogo, a diretoria acertadamente marcou para o Rio de Janeiro, pois em São Paulo, os corintianos, são-paulinos e palmeirenses iriam torcer contra (risos). E, então, nós fomos para o Rio. Ficamos 15 dias concentrados lá. Durante todo esse tempo, o técnico Lula dava a entender que iria jogar com o ponta Batista. Eu fiquei muito bravo. Dias antes, o Dalmo me chamou para conversar e me alertou que eu realmente poderia ficar no banco. Porém, no dia do jogo, quando o Lula divulgou a escalação, eu estava de titular. Acho que ele fez isso para mexer comigo e isso me motivou. No jogo, viramos o primeiro tempo perdendo por 2 a 0. Ainda no vestiário, uma tempestade caiu no Maracanã e quando voltamos fizemos 4 gols em 25 minutos. 4x2. Eu marquei dois gols de falta, o primeiro e o quarto gol. O terceiro jogo da final já foi um jogo chato, muito pegado, muito faltoso e ganhamos por 1 a 0 com um gol de pênalti do Dalmo. Por isso, o segundo jogo da final foi o jogo da minha vida.

DL - Junto com o jogo contra o Milan, o senhor escolheu a partida contra o Taubaté.

Pepe - Sim. Esse é o outro jogo da minha vida porque foi o primeiro título Paulista com o Santos FC, em 1955. Foram 26 jogos nesse campeonato. Joguei 13 e marquei 10 gols. Um deles foi o gol do título quando vencemos por 2 a 1. Ali eu me dei conta que eu poderia ser um bom jogador e fazer história. Nesse jogo do Milan me marcaram muito.

DL - O senhor tem um vasto acervo histórico. Costumava anotar tudo o que acontecia após os jogos? Tem até mesmo seu primeiro jogo pelos juniores?

Pepe - Sim. Ainda tenho o primeiro caderno, de 1951, e anotações que fiz durante toda a carreira. Tenho catalogado. Acabava os jogos eu anotava tudo. Até torneio início, eu tenho anotado aqui. Meu primeiro jogo foi contra o Jabaquara. Marquei um gol e vencemos por 2 a 1 ainda nos juniores.

DL - E como se deu sua chegada ao clube?

Pepe - O Cobra era o goleiro do infantil e me levou para o Santos FC. Jogávamos juntos em São Vicente e ele me trouxe para um teste. Aí fiz o primeiro treino e logo após fui convidado para assinar a inscrição com o Santos FC. Já me deram a carteirinha. Teve festa no bar do meu pai, seo Macia, nesse dia.

DL - E passados sete anos do seu primeiro título pelo Santos FC, em 1955, veio a primeira final de Libertadores em 1962 e depois a segunda em 1963. Qual foi a final mais difícil?

Pepe - O Peñarol estava sempre nas finais. Queriam sempre ganhar. Era sempre muito difícil, tinham muita garra, mas nós demos algumas chineladas boas neles (risos). E o Boca Juniors também. Nós jogamos a final da Libertadores lá. Eu nunca joguei em um campo tão ruim (risos). Segundo consta, eles deixaram o campo ruim de propósito para atrapalhar o nosso toque de bola. Mas não teve jeito, ganhamos na raça. Essas conquistas nos marcaram, pois ganhar do Boca em La Bombonera era muito difícil. Vencemos por 2 a 1 com um gol de Coutinho e outro do Pelé.

Pepe mostra seu primeiro caderno de anotações, de 1951 (Foto:Pedro Henrique Fonseca/DL)

DL - Sobre a Libertadores da América, neste mês o Peixe enfrenta o Barcelona, no Equador, em partida válida pelas quartas de final. Como o senhor vê esse jogo e o que espera?

Pepe - O jogo contra o Barcelona no Equador tende a ser difícil. O futebol lá evoluiu muito. Quando íamos lá, na minha época, vencíamos por 7 ou 8 e fazíamos muitos gols. Mas a equipe do Santos é uma equipe que promete. Está cada vez amadurecendo mais. Os líderes como Ricardo Oliveira e Elano, agora na comissão técnica, são muito experientes, têm uma ligação muito bonita com o clube e tenho a esperança que eles nos ajudem. Eles estão no caminho correto. Quando eles jogam eu fico aqui na minha sala, na torcida e espero que eles sejam muito felizes na competição.

DL - As vitórias do Santos em 1962 e 1963 credenciaram o clube a disputar o Mundial Interclubes. O senhor disse que o jogo contra o Milan foi o jogo da sua vida, mas o que pode nos dizer sobre a final contra os portugueses?

Pepe - O Benfica era um time muito forte, mas jogava e deixava jogar, ao contrário dos italianos. Nós ganhamos deles e anos depois quando fui trabalhar como técnico no Boavista, em Portugal, substituí o então treinador José Augusto Torres, que em 1962 era o centroavante do Benfica na final do Mundial. Ele era uma ótima pessoa. Me ajudou bastante no meu começo em Portugal e uma vez durante uma conversa ele me confessou: 'Eu vou lhe dizer uma coisa, senhor Pepe. Nós do Benfica também éramos muito bons, fazíamos muitos gols e ganhávamos muitos títulos na Europa, mas quando nós íamos jogar contra o Santos e entravamos em campo, e víamos aquele negro com a camisa 10, entrávamos todos 'borrados' (risos)'. Nós caímos na gargalhada. E ele mesmo admitia que o Pelé era melhor que o Eusébio.

DL - As excursões com o Santos pelo mundo lhe renderam diversas histórias. O senhor destaca alguma em especial?

Pepe - Na Espanha tive a oportunidade de conhecer meus parentes. O pessoal de lá sabia que o Pepe, do Santos, era filho do seo Macia que veio morar no Brasil. Nós fomos jogar o Troféu Teresa Herrera. Enfrentamos o Botafogo, em La Coruña e ganhamos por 4 a 1. Depois o Santos seguiu viagem e eu fiquei. Falei com os diretores que queria conhecer minha avó e eles liberaram. Após o jogo, um tio e um primo que estavam no estádio me pegaram e me levaram para conhecer meus familiares em Mandín, na comarca de Verín. Era uma terra humilde onde moravam minha avó e meus tios. Minha avó tinha 89 anos e eles me recepcionaram com festa. Dormi lá alguns dias. Eles me deram uma peça grande 'jamón' (presunto) e eu trouxe para os meus pais no Brasil. Eles ficaram orgulhosos em saber que a família Macia era bastante conhecida no Brasil e que eu virei jogador de futebol.

DL - Ainda sobre as excursões na Europa, o Real Madrid venceu o Santos, mas depois não quis conceder uma revanche. É isso mesmo?

Pepe - Esse jogo foi 5 a 3 para o Real Madrid. Eles terminaram o primeiro tempo vencendo por 4 a 1. Nós estávamos em uma excursão longa pela Europa e jogando toda hora. O empresário chegou e avisou que 'depois de amanhã' jogaríamos contra o Real Madrid. Assim, de surpresa. No segundo tempo fizemos 4 a 3, mas eles venceram por 5 a 3. Eu joguei bem e depois desse jogo o Barcelona tentou me contratar, mas acabou não dando certo. Depois desse jogo, o Real Madrid nunca mais quis enfrentar o Santos. Não deram revanche mesmo.

DL - Após o término da sua carreira como jogador, o senhor se tornou técnico. Como isso aconteceu?

Pepe - Eu já estava para encerrar a carreira, já tinha concorrência forte com Edu e Abel, já estava quase como terceira opção para a ponta. Então os diretores Modesto Roma, Athiê Jorge Cury, entre outros, me chamaram e falaram: 'Queremos fazer um contrato comvocê. Você fica mais um ano e meio aqui e vai se preparando, pois nós queremos aproveitar você como treinador'. Então, um ano e meio depois eu comecei minha carreira como treinador nas categorias de base de Santos. Em 1973 ganhei meu primeiro título de expressão como treinador. Foi o Paulistão daquele ano com o Santos. Mais tarde voltei a vencer com a Inter de Limeira. No São Paulo fui campeão do Brasileiro em 1986. Assim como no Japão também e outros títulos. Eu digo seguramente, pois já foi comprovado isso, que eu tenho, me parece, 75 títulos de campeão como jogador e técnico de futebol. Nenhum profissional até hoje conseguiu isso. Sem contar os vices (risos).

DL - E como técnico você treinou o hoje treinador Pep Guardiola. Como foi a convivência com ele?

Pepe - Eu sou 'Guardiola Futebol Clube'. Menos contra o Santos (risos). Eu estava no futebol árabe e um dia chegou o xeque e mais um diretor e me disseram: 'Mister, tenho a possibilidade de trazer o Guardiola. Você quer?'. E eu respondi: 'Pode trazer amanhã'.Eu já o tinha visto jogar várias vezes, era um grande jogador. Uma semana depois ele chegou. Fizemos uma amizade muito bonita. Era um jogador de finíssima habilidade. Jogava muito. Uma vez, antes de entrarmos em campo, coloquei no vestiário quem seriam os responsáveis por cabecear a bola nas faltas em nossa defesa. Ele era um dos escolhidos. Quando ele viu, me chamou discretamente de canto e disse: 'Mister, posso te dizer uma coisa? Eu nunca coloquei a cabeça na bola. Nunca. A cabeça eu tenho para pensar'. Depois disso eu tirei o nome dele da lista na hora (risos). Fiquei muito contente quando em entrevistas ele citou meu nome e disse que aprendeu muitas coisas comigo e o futebol brasileiro.

DL - Como foi enfrentar o Santos como treinador?

Pepe - Sentei no banco algumas vezes contra o Santos e foi muito estranho. Na Portuguesa Santista eu ganhei do Santos por 2 a 0, em Ulrico Mursa. A torcida atrás do banco gritava para mim: 'É Assim que você gosta do Santos?'. E eu respondia: 'Poxa, mas agora eu sou técnico'. Vencemos com dois gols do atacante Rico , pelo Campeonato Paulista de 2003. Foi realmente muito difícil enfrentar o Santos todas as vezes.

DL - Na última quinta-feira, a Seleção Brasileira garantiu com antecipação o primeiro lugar nas Eliminatórias para a Copa do Mundo de 2018. Qual a sua opinião sobre o momento vivido pelo Brasil?

Pepe - Momento bom com Tite, invicta e com todos os méritos conseguiu uma classificação muito bonita, com um futebol que agradou. Não é mais um futebol dos tempos de Pelé e Garrincha, aquele futebol envolvente de dribles e improvisação, mas é um futebol mais mecânico e muito eficiente. A gente percebe que a Seleção Brasileira tem 'cabeça, tronco e membros'. Cada um faz seu papel da melhor maneira possível e formando uma equipe coesa que a gente tem agora outra vez prazer de ver jogar.

DL - E o futebol atual no geral, lhe agrada? Os jogadores de agora são tão bons quanto os de outras épocas?

Pepe - A nossa época foi uma época de ouro onde nos éramos realmente os melhores. Seja jogando em Santos, São Vicente, Portugal ou China. Agora não. O futebol ficou mais equilibrado. Não existem tantos craques. Antes você tinha sete ou oito craques no time. Hoje você tem dois ou três e os demais são operários. Antigamente o Santos ia jogar na França, Itália, Alemanha e eles queriam ver o Santos jogar. Não tinha essa de 'não deixa jogar'. Antigamente se jogava mais futebol. Então o Santos goleava contra grandes equipes porque jogava e deixava jogar. Não tinha um jogador específico para ficar colado no Pelé o tempo todo. Não digo que eles tiravam o pé, isso nunca, mas antes se tentava jogar mais. Essa frase 'não deixa ele jogar' me incomoda muito.
 

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