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Cotidiano

Residentes da paralisação

Sem conseguir voltar para casa, caminhoneiros aguardam com pouca estrutura o fim dos protestos nas margens na Zona Portuária

Rafaella Martinez

Publicado em 26/05/2018 às 08:30

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Família deixou o Mato Grosso do Sul com a família na semana passada / Rodrigo Montaldi/DL

Varais com roupas infantis contrastam com a longa fila de mais de 25 caminhões estacionados na área externa de um dos terminais do Porto, na Avenida Governador Mário Covas, em Santos. O espaço de secagem improvisado foi preparado por Andreia do Nascimento, esposa do caminhoneiro Joaquim de Souza: um dos profissionais que não conseguiu deixar a cidade por conta da paralisação que chega hoje ao sexto dia.

Quando deixou o Mato Grosso do Sul com a família na semana passada, a ideia era descarregar os grãos na sexta e comemorar o aniversário de seis anos do filho, Joaquim Neto, na estrada, a caminho de casa. Os planos foram frustrados pela demora na recepção do material pelo terminal e a consequente paralisação da categoria, protesto esse que o caminhoneiro apoia, mas que pretendia aderir em casa.

“A gente acompanha as viagens curtas. Como o Joaquim quebrou o braço e não está indo para escola nessa semana decidimos vir a Santos e proporcionar a ele um aniversário diferente. A gente só não imaginava que seria dessa forma, parado na estrada”, conta Andreia.

A rotina da família hoje consiste em fazer a higiene pessoal e assistir ao noticiário na Associação Comercial dos Transportadores Autônomos (ACTA)- que fica na rua lateral do local onde estão parados -, cozinhar na pequena cozinha acoplada ao caminhão e dormir na boleia, uma experiência tranquila para viagens curtas, mas que tem se tornado incômoda nesta longa permanência em terras caiçaras.

“Eu durmo na frente, entre os bancos e a Andreia dorme no espaço mais confortável com o Joaquim e o Brian. A gente se reveza em ficar aqui, cuidando do caminhão e distraindo as crianças até que tudo se resolva. Mas apoio a greve: está se tornando inviável ser caminhoneiro no Brasil”, conta Joaquim, que há seis anos cruza as estradas do Centro-Oeste ao Sul do Brasil.

O apito da panela de pressão e o cheiro de feijão sendo preparado preenche um trecho da deserta Avenida Perimetral. No pequeno fogão elétrico, Paulo Lopes, de Adamantina, prepara o jantar para ele e outros caminhoneiros. Ele se queixa da falta de empatia de alguns pátios, que, mesmo vazios, recusaram a permanência dos profissionais.

“A gente não pode ir embora, pois todos os acessos estão bloqueados e corremos riscos. Aqui na rua temos medo, pois já começa a faltar gasolina e comida nos mercados e a população pode se revoltar. Ficamos em uma vigília constante, um apoiando o outro, mas faltou respeito por parte do terminal que descarregamos em permitir a estadia lá. Nenhum caminhão entra no Porto, não vamos atrapalhar as operações”, destaca Lopes.

Ficar fora de casa – de acordo com ele e com o caminhoneiro sul-matogrossense Ademir Alves - não é o problema. Tampouco a paralisação, que ambos defendem. “A gente já está acostumado a ficar longe e a se virar na estrada. Hoje nosso receio é a população ficar contra nós. As pessoas precisam entender que essa paralisação é de todos. Estamos perdendo nossos direitos e estamos pagando para trabalhar. Já passou da hora do Governo dar uma solução: o Porto já está com um prejuízo inestimável”, aponta Ademir.

Para Dário de Jesus Correia, a paralisação está mostrando a importância do caminhoneiro. “A economia do Brasil gira em cima do caminhão e somos desvalorizados por todos os lados. Nas cidades somos os drogados, os irresponsáveis e os cachaceiros. Quando por acaso erramos um caminho só falta apedrejarem nosso caminhão. Ninguém vê que estou há 55 dias longe de casa para garantir o sustento da minha família. Ninguém tem ideia do que é ter que ligar toda hora para minha mãe de 75 anos e falar que estou bem, mas sempre com medo do que vou encontrar na estrada”, desabafa.

Enquanto a solução não chega, os residentes da paralisação na Margem Direita no Porto de Santos se apoiam como podem: dividem alimento, revezam o uso do chuveiro na Associação e partilham a comida, além de zelarem pelos caminhões uns dos outros. “Enquanto espero, aproveito para conhecer um pouquinho mais da cidade e admirar a praia. A gente tem que olhar o lado bom, né? Pena que está frio e não tive ainda a coragem de entrar no mar”, finaliza Eliseu Donato, natural de Monte Mor, no interior de São Paulo.

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