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Cotidiano

'Eles imaginam tudo, menos que sou faxineira'

História da auxiliar de serviços gerais Vânia Xavier é semelhante a de milhares de mulheres no Brasil

Publicado em 08/03/2017 às 10:00

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A auxiliar de serviços gerais Vânia Xavier, 40 anos, trabalha como faxineira desde os 14 anos / Rodrigo Montaldi/DL

“Ela não anda ela desfila. Ela é top, capa de revista”. O refrão da canção de MC Bola é a trilha sonora da passagem da auxiliar de serviços gerais Vânia Xavier Ferreira, de 40 anos, pelas ruas do Centro de Santos. Com batom marcante, brincos, pulseiras, salto alto e carisma, ela chama atenção no trajeto entre o trabalho e a Travessia de Barcas, no cais santista, onde ruma para casa. A história da guarujaense, que tem orgulho em ser faxineira e não abre mão da vaidade, é semelhante a de muitas mulheres responsáveis pela chefia de 40% dos lares brasileiros.

“Comecei a trabalhar com faxina aos 14 anos. Trabalhava como diarista em apartamentos em Guarujá. Tive que trabalhar porque a minha mãe, que também era doméstica, ficou viúva e em uma situação ruim com cinco filhos para criar. Somos quatro mulheres e um homem. Ela nos criou praticamente sozinha”, disse Vânia, que cresceu no bairro Vicente de Carvalho, em Guarujá.

A independência teve início ainda na adolescência. De um namoro ficou grávida do primeiro filho – uma menina - aos 16 anos. “Eu sempre quis ser mãe. Estava namorando quando engravidei e a minha mãe ‘fez assumir’”, afirmou Vânia, que então casou com o pai da criança. Tempos depois veio a segunda gravidez e um menino.

A união matrimonial durou 14 anos. Com a separação, Vânia ficou com a guarda dos filhos e responsabilidade de sustentar a casa. “Eles eram pequenos. Foi muito difícil. Também não queria voltar para a casa da minha mãe. Mas tive que voltar tempos depois porque a antiga empresa em que eu trabalhava pagava pouco. Voltei, mas logo depois voltei para o aluguel. Pago tudo com o meu salário. Nunca quis a ajuda de ninguém. Nas horas mais difíceis me apego a Deus e vêm providências de onde você não imagina”, destacou a auxiliar, que por causa da maternidade e da vida corrida não completou os estudos parando na quinta série do ensino fundamental.

Trabalho

Vânia mora atualmente no bairro Cachoeirinha, em Guarujá. Acorda todos os dias às 5 horas. Pega o ônibus por volta das 6 horas, desce no Terminal de Barcas de Vicente de Carvalho, onde entra na embarcação rumo ao Centro de Santos. Com batom marcante, brinco, pulseira, vestido e perfume adocicado ela chama atenção por onde passa.

Ao entrar no serviço, às 7 horas, troca o visual elegante pelo uniforme (bermuda e blusa) azul marinho e chinelo. Mais um dia de serviço vai começar. Ela é a pessoa responsável pela limpeza e o café que adoça o paladar dos companheiros de trabalho e daqueles que visitam o Diário do Litoral.

Vânia Xavier ‘se transforma’ todos os dias ao entrar e ao sair do serviço; resultado chama atenção nas ruas (Foto: Rodrigo Montaldi/DL)

“Tenho muito orgulho do que faço. Tenho orgulho de ser faxineira. Mas não é porque trabalho com cândida, vassoura e produto de limpeza que vou abrir mão da minha vaidade. Não é porque sou faxineira que tenho de vir trabalhar de chinelo, sem esmalte na unha e cabelo mal arrumado. Tem gente que pergunta como eu consigo andar de salto. Tem gente que pensa que eu sou recepcionista ou secretária. Dia desses perguntaram se eu era vendedora de carro ou trabalhava com despacho aduaneiro”, destacou Vânia.

Autoestima

Ao terminar o expediente, por volta das 16 horas, Vânia tira o uniforme e dá lugar novamente ao visual ao qual chegou pela manhã no serviço. A Reportagem acompanha o seu caminho de volta para casa. Na porta de um estacionamento, um conhecido, que a vê passar todos os dias, a cumprimenta.

“Ela é muito bacana e educada. Tem muito brilho. Passa sempre sorrindo e cumprimentando. Dá atenção para as pessoas. A educação está acima de tudo”, disse Vicente de Paula da Silva, que não sabia a profissão de Vânia. “Acho que ela é recepcionista”, afirmou. Ao saber que ela trabalhava com limpeza ficou surpreso. “Como disse a educação é tudo. Não importa com o que a pessoa trabalha”.

A caminhada entre as ruas General Câmara, Brás Cubas e o acesso a Travessia da Barca é feita em aproximadamente 10 minutos. Os olhares se voltam para ela. Uma senhora, outra conhecida, também fica surpresa ao saber que Vânia é faxineira. “Não pelo ofício, mas é que ela anda muito elegante. No início achei que fosse professora, mas depois tinha certeza que ela era secretária”, afirmou.

Orgulho

Vânia não liga para as hipóteses que levantam sobre a sua profissão, sabe que elas são fruto do imaginário coletivo. “Eles imaginam tudo, menos que sou faxineira”.

Apesar da autoestima elevada, Vânia também tem seus momentos ruins. Disse que procura deixa-los em casa. “Nunca acordei e falei que não estou bem, mesmo estando ruim. Não consigo. Temos momento de desabafar com a amiga do trabalho, mas procuro deixar os problemas em casa”, destacou.

Questionada sobre o que deseja às outras mulheres ela resume a sua história: “Tenho muito orgulho de mim sozinha. Quando olho a minha casa, tudo o que passei e tudo que conquistei até aqui só tenho a ­agradecer a Deus. A mulher tem que lutar. Lutar sempre pelo seu espaço e mostrar que é capaz. Não podemos desistir. Não importa o que acontecer na vida não se pode deixar abater pelos problemas”.

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