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Cotidiano

Caminhoneiros pagam propina para ter trabalho no Porto de Santos

Há dez anos atuando no mercado de frete, Alexsander Peixoto Colen denuncia a rota do esquema praticado em toda a cadeia logística de movimentação de carga

Bárbara Farias

Publicado em 18/01/2016 às 09:00

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Cerca de seis mil caminhões, entre autônomos e de frota de empresas, circulam diariamente pelo Porto de Santos / Matheus Tagé/DL

O mercado paralelo do frete de caminhões no Porto de Santos é conduzido na contramão da legalidade. Trata-se de um esquema de pagamento de propina praticado em toda a cadeia logística de movimentação de carga. A rota da “gratificação” foi denunciada com exclusividade pelo caminhoneiro autônomo Alexsander Peixoto Colen, que atua há dez anos na região. 

Além de motorista, Alexsander presta consultoria sobre movimentação de carga no Porto de Santos para empresas. “Eu dou consultoria para algumas empresas de fora sobre a movimentação aqui (porto), faço indicações, dou informações para quem não conhece as rotinas aqui”. Ele também mantém o blog ‘Uma vida de fretes’ (https://vidadoestradeiro.wordpress.com/) na internet, onde publica tudo sobre esse mercado, desde prestação de serviço e legislações até denúncias de irregularidades na logística portuária.

Alexsander afirma que a propina já é despesa fixa do caminhoneiro. “A propina passou a fazer parte da nossa cultura. Virou um hábito pagar propina. O caminhoneiro autônomo paga para pegar o serviço, para carregar, descarregar contêiner vazio e até para ser liberado de contêiner avariado”, denuncia.

O caminhoneiro diz que o conhecido “café” passou a ter preço determinado pelo atravessador de carga e varia de R$ 30 a R$ 200, dependendo do valor do frete a ser contratado.

Tendo a propina como despesa contada, o caminhoneiro enfrenta dificuldade para negociar o preço do frete junto às transportadoras. “É difícil repassar. Tudo depende da época. Quando a carga é maior do que a demanda de caminhões você ainda consegue negociar alguma coisa, mas a maioria das empresas tem frete fixo, você não consegue negociar. Então, até na parte das propinas funciona assim: hoje um frete pra São Paulo gira em torno de R$ 850, o frete não é bom, mas também não é ruim, mas você consegue trabalhar pela rotatividade, mas se tiver muito trabalho não compensa. A propina é tirada desse valor. Então, você almoça num lugar mais barato, extingue uma manutenção, e aí você paga (propina). Geralmente você paga R$ 30 a R$ 40 de gratificação (por frete). Se tiver dez fretes já são R$ 300, uma viagem mais longa é mais complicado porque você chega a pagar de R$ 150 a R$ 200 (de propina)”, conta Alexsander.

“Se o frete está neste padrão, do normal pro bom, não interfere tanto e você ainda consegue trabalhar. O problema é que as empresas aproveitam essa época que a gente tá de crise que o frete baixou, esse frete de R$ 850 já é de dois anos atrás, já tivemos três aumentos de diesel do meio do ano pra cá, aumento de pedágio. As empresas baixaram mais o valor do frete. A melhorzinha vai pagar R$ 750, mais tem a gratificação de R$ 50”, complementa.

Mas, Alexsander conta que a transportadora, que é quem contrata o frete, é só a porta de entrada para o esquema ilícito. A burocracia no sistema logístico que torna o transporte de carga moroso, criou a oportunidade para o atravessador em toda a rota da carga, desde a transportadora, passando pelo terminal até o cliente final. “O transporte em Santos ficou muito lucrativo. Tem profissões aqui no porto que a pessoa entra não pelo salário, mas porque é lucrativa como vistoriador de contêiner e programador de carga. Você pega, por exemplo, o programador de carga de uma empresa que gira 10 contêineres num dia, a R$ 30 (propina) por contêiner, são R$ 300 no dia. Daí ele faz R$ 6 mil de propina no mês. Aí o salário dele fica só para despesas corriqueiras”, conta Alexsander.

Mas, Alexsander aponta ainda outros cargos envolvidos no esquema. “Os atravessadores são programadores de carga ou gerentes de transporte de transportadoras, conferentes de armazém ou conferentes de pátio em terminais, conferentes de depósito de contêiner vazio e conferentes de terminais ou de empresas terceirizadas de porto seco”. Ele afirma que todos esses atravessadores cobram propina, mas que na prática os caminhoneiros não pagam para todos eles numa mesma viagem contratada.

Alexsander afirma que o caminhoneiro que paga mais propina, trabalha mais, o que não paga fica sem serviço ou se sujeita ao que tiver. “Ele fica à mercê do que sobrar, das cargas ruins. Pra São Paulo qualquer caminhão faz frete. Vai pra São Paulo e faz vira aqui em Santos. O que a gente chama de caminhões genéricos, que são os bem precários, só circulam por aqui, esses não chegam nem no Guarujá, ficam presos à fiscalização. Caminhão velho só roda por aqui. Por exemplo, eu tenho dois trabalhos, um em Santos, um em Guarujá. O trabalho em Santos é o mais em conta que tem, já o trabalho no Guarujá é mais lucrativo. Quem paga mais propina vai para o Guarujá. Quem não paga fica só aqui por Santos”, explica.

“As viagens de média à longa distância são as mais lucrativas. Quem tem mais condição pega essas viagens. O cara que tem caminhão mais velho corre o risco de não ter mais trabalho porque as empresas estão mais exigentes, estão tirando fotos dos caminhões, os clientes também estão exigindo caminhões melhores. As viagens longas têm fretes mais caros e os clientes são mais exigentes, então tem que ser caminhão mais novo. Quem tem caminhão velho cobra o frete mais barato que existe pra poder trabalhar. E quem cobra muito barato não paga propina”, complementa Alexsander.

Transportadoras

Mas, Alexsander ressalta que o esquema de propina é mais comum entre funcionários de transportadoras de pequeno porte. Já as de grande porte tomam medidas para coibir a atividade ilícita. Em uma empresa grande localizada em Cubatão, Alexsander diz que avistou um cartaz na parede contendo as exigências para a contratação de caminhoneiros, onde a empresa recomenda que os motoristas denunciem cobrança de propina caso recebam. “E logo abaixo (no cartaz) está assim: ‘caso seja cobrada alguma gratificação pelos colaboradores da empresa, favor encaminhar o ocorrido para os emails tal e tal’.... “Eles sabem que existe, provavelmente alguém (caminhoneiro) dá gratificação para obter algum benefício de privilégio de ser chamado mais vezes, mas a coisa fica oculta. Então, de alguma forma, as empresas mais organizadas tentam receber denúncias anônimas”, afirma Alexsander.

“Nas empresas de médio e grande porte não acontece isso (pagamento de propina) porque precisa de muitos funcionários para desenvolver o trabalho. É um que programa, um que chama o caminhão, um que faz a devolução do contêiner vazio, um que programa a carga no terminal, um que paga o frete. Tem muita gente envolvida. Então, não tem como cobrar porque a pessoa que cobra o frete pode atrasar o seu lado”, comenta.

Perguntado sobre por que decidiu denunciar o esquema de propina na logística portuária, Alexsander Colen responde: “Porque alguém tinha que fazer isso”.

Procurado, o presidente do Sindicato das Empresas de Transporte Comercial de Carga do Litoral Paulista (Sindisan), Roberto Varella, afirmou que nenhuma denúncia foi feita ao sindicato. 

Varela disse também que assumiu o comando do sindicato no último dia 4 de janeiro e que uma das medidas da nova gestão será ativar a ouvidoria da entidade por meio do serviço 0800, estabelecer um canal direto com os empresários, caminhoneiros e demais atores do sistema logístico que queiram fazer denúncias, sugestões ou reclamações. “O número deverá ser ativado nos próximos 10 ou 15 dias”, afirmou Varella. Mas ele ressaltou que interessados em fazer denúncias podem entrar em contato com o sindicato através do telefone (13) 2101-4745. 

Além disso, Varella comentou que 12 câmaras setoriais estão sendo formadas para tratar de assuntos como cargas perigosas, cargas excedentes, cargas roubadas entre outros temas. 

Neste ano, o sindicato também trabalhará para ampliar o número de empresas associadas. “Hoje, nós temos 195 associados, porém há mais de 900 empresas na Baixada Santista, e nós vamos trabalhar para trazê-las para o sindicato”, finalizou.

O Sindisan abrange empresas instaladas nas cidades de Bertioga, Cananéia, Cubatão, Guarujá, Iguape, Itanhaém, Mongaguá, Peruíbe, Praia Grande, Santos e São Vicente.

Já a ABTRA enviou a seguinte nota à Redação: “A ABTRA - Associação Brasileira de Terminais e Recintos Alfandegados - é uma entidade de classe que representa setorialmente o conjunto de suas associadas ante os poderes públicos. São da sua alçada de atuação as questões de caráter estritamente institucional.”

Movimentação de caminhões

Cerca de seis mil caminhões, entre autônomos e frota de empresa, circulam diariamente pelo Porto de Santos.

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