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Cotidiano

Artistas buscam outras formas de renda em tempo de crise

Os cortes nos orçamentos destinados para a pasta e limitações nos programas de fomento à cultura são as principais causas para a migração para outros ramos

Rafaella Martinez

Publicado em 23/07/2017 às 10:30

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Miriam Vieira conta que o dinheiro que consegue com a venda dos produtos da ‘Angel Lux’ não se compara com o cachê de uma produção artística / Arquivo Pessoal

Os projetos culturais estão prontos e aguardando captação de recursos para tomarem forma. Até lá, a diretora teatral, produtora cultural e atriz Miriam Vieira aquece o fogo, separa os ingredientes e prepara azeites e sabonetes artesanais para venda: empreender foi a forma que ela encontrou para sobreviver e pagar as contas em tempos de crise econômica e escassez de recursos para Cultura.

Para muitos brasileiros que estão em busca de emprego, a saída para superar a crise que atingiu o mercado de trabalho está sendo aceitar uma vaga em outra profissão. A situação atinge em cheio o cenário cultural da Baixada Santista: os constantes cortes nos orçamentos destinados para a pasta e limitações nos programas de fomento à cultura são as principais causas para a migração desses profissionais para outros ramos de atuação.

Miriam conta que o dinheiro que consegue com a venda dos produtos da ‘Angel Lux’ não se compara com o cachê de uma produção artística. No entanto, nos últimos anos, os atrasos nos pagamentos e a queda nas produções se tornaram frequentes. “Está cada vez mais complicado ser contemplado em editais, uma vez que são muitos projetos inscritos e cada vez menos dinheiro para todos. Sou de um tempo que produzíamos sem editais e continuo a produzir apesar deles. Todos nós queremos ver nossos projetos de pé, mas está cada vez mais difícil produzir cultura e circular com ela”, conta.

Para ela, uma das saídas para se manter no cenário cultural é apostar nas parcerias. Atualmente Miriam participa de dois ProACs (Programa de Ação Cultural do Estado de São Paulo) de Culturas Negras e um edital do Fundo de Assistência à Cultura (Facult). Outros três projetos que Miriam participa aguardam captação de recursos para tomarem forma: o curta ‘Ana’, do Projeto Querô (que está fazendo campanha na internet para captar recursos para a finalização do filme); o espetáculo ‘O gato de botas’ (que aguarda captação pela Lei Rouanet e pelo ProAC ICMS) e o projeto Ciranda no Mangue, também pelo ProAC ICMS (leia abaixo).

Arte é plano B

Lucas Magalhães, atual presidente do Conselho de Cultura de São Vicente, conhece bem essa realidade. Desde 2011 ele equilibra o amor às artes com o trabalho fixo como educador: atualmente é diretor acadêmico da ETEC Doutora Ruth Cardoso e ministra aulas no Colégio Notre Dame.

“Minha carga horária semanal nas duas escolas é de 54 horas. No meio disso, principalmente aos finais de semana, desenvolvo os trabalhos artísticos com o meu grupo, a Cia Héterus de Teatro. Presidir o Conselho de Cultura foi a forma que encontrei para poder articular e pensar politicas públicas para o setor em São Vicente”, conta.

Para Lucas, a falta de incentivo e as dificuldades em conseguir leis de incentivo são fatores que fazem com que o trabalho artístico não seja o objetivo principal de muitas pessoas.

“Atuamos por amor e ainda fazemos as coisas na raça, usando o salário de outras atividades para comprar figurino e fazer o espetáculo acontecer. Vivemos em um país onde não conseguimos escolher a arte como plano A. Sempre tem que ser plano B. É triste ver pessoas desistindo ou saindo da Baixada para ir tentar a sorte em outros lugares”, desabafa.

Na visão de Miriam, o que acontece na região não é diferente do cenário artístico no restante do Brasil. “Estamos vendo novos artistas indo para outras praças para poder trabalhar. Mas de qualquer forma, vejo também outras coisas novas surgindo e pequenos espaços de grupos ou artistas sendo criados por conta própria, além de várias coisas acontecendo em outros segmentos artísticos. Ainda insisto que o saída para a cultura local não é a Anchieta/Imigrantes”, finaliza.

Projetos aprovados nas leis de incentivo não conseguem captação de recursos com empresas

A aprovação de um projeto em leis de incentivo baseadas em renúncia fiscal não é mais motivo de alegria de proponentes da região. O caminho árduo entre a elaboração e a aprovação do projeto tem ganhado contornos delicados: a cada ano cresce o número de projetos que não conseguem a captação de recursos com empresas.

A produtora Cida Cunha, do grupo Sobrado de Artes, conhece bem essa realidade. Desde 2015 ela busca interlocução com empresas da região para conseguir a captação de recursos para dois projetos aprovados: ‘O gato de botas no sertão’ espetáculo em cordel de cunho ambiental com contos da oralidade e ‘Ciranda no mangue’, que também tem como foco a conscientização ambiental.

“A diferença de alguns anos para cá começa na receptividade das empresas. Hoje sequer conseguimos agendar uma reunião para mostrar o nosso trabalho”, conta.

Em nota, a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo destacou que não houve redução no orçamento do ProAC Editais e o valor disponibilizado em 2017 para o ProAC ICMS é o mesmo de 2016 (R$ 100 milhões). Disse ainda que as empresas interessadas em patrocinar projetos culturais devem se habilitar junto à Secretaria da Fazenda, que poderão descontar o valor desse investimento do ICMS devido.

Já o Ministério da Cultura disse, por meio de nota, que a aprovação de um projeto via incentivo fiscal da Lei Rouanet não garante a sua execução, já que não é um repasse de recursos pela Pasta. A partir da aprovação, o proponente procura no mercado e na sociedade empresas ou pessoas físicas interessadas em direcionar recursos para aquela iniciativa cultural, podendo deduzi-los, integral ou parcialmente, do imposto de renda.

Com a captação dos recursos necessários, a execução será acompanhada pelo MinC, bem como a prestação de contas.

MinC tem menor orçamento dos últimos dez anos

Dispondo de apenas R$ 412 milhões para despesas não fixas (0,015% do orçamento da União) após o contingenciamento dos R$ 721.786.118,00 previstos na Lei Orçamentária Anual 2017, o Ministério da Cultura tem o menor orçamento dos últimos dez anos para investir em ações culturais em todo território nacional. O número representa uma queda de 31% quando comparado com o orçamento destinado para editais, prêmios, e seminários no ano passado.

Já para o Fundo Nacional da Cultura, o valor previsto na LOA foi de R$ 80 milhões. O montante, no entanto, foi tão reduzido com o contingenciamento que invibilizou qualquer investimento em políticas culturais.

Em nota, o MinC destacou que trabalha de forma constante para assegurar a manutenção de políticas públicas e do acesso da população à Cultura, fazendo a melhor gestão possível dos valores destinados à Pasta. Diante dos cortes, em seu investimento, o MinC priorizou a manutenção de serviços e espaços culturais, como museus, teatros e bibliotecas; a continuidade de programas contínuos e projetos já previstos, bem como a manutenção de suas atividades e das entidades vinculadas: Fundação Casa de Rui Barbosa, Fundação Biblioteca Nacional, Fundação Cultural Palmares, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Fundação Nacional de Artes, Agência Nacional do Cinema e Instituto Brasileiro de Museus.
 
Recursos da loteria

O Ministério da Cultura (MinC) defendeu, em audiência pública na semana passada na Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados, o descontingenciamento de recursos das loterias federais para o fomento a projetos culturais por meio do Fundo Nacional da Cultura (FNC). Ao longo de anos de limitação financeira, mais de R$ 1,5 bilhão deixaram de ser repassados ao Fundo, impossibilitando o repasse, sobretudo a produtores independentes e àqueles que não conseguem captar pelo mecanismo de renúncia fiscal da Lei Rouanet. O fomento se dá, mais comumente, por meio de editais de seleção que buscam equilíbrio regional, social e econômico na distribuição dos recursos.

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