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Cotidiano

Akira, Toninho, Carioca e Caracu: a tradição dos pastéis em Santos

Especial. Diário do Litoral conheceu as histórias de quatro pessoas e estabelecimentos que mantêm viva a tradição da iguaria em Santos

Daniela Origuela

Publicado em 14/08/2017 às 12:00

Atualizado em 09/04/2024 às 10:46

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Akira conta com a ajuda do filho e da esposa para tocar o negócio que completa 50 anos; ao lado a fotografia de seu pai com quem iniciou o comércio / Rodrigo Montaldi/DL

No ano em que Akira nasceu, 1945, sua cidade, Nagasaki, foi atingida por uma bomba atômica. As dificuldades no Japão e o anúncio de oportunidade de vida nova do outro lado do mundo, o trouxe de navio para o Brasil. Desceu no Porto de Santos com o pai, a mãe, dois irmãos, a roupa do corpo e a vontade de trabalhar. Cinquenta anos após a viagem de 45 dias pelo oceano, o imigrante japonês comemora o sucesso em solo brasileiro, onde com o pastel criou os filhos e se tornou ­conhecido.

“Nós descemos em Santos e já fomos direto para o interior trabalhar na lavoura. Não sabia falar nada em português. Era pequenino e magrinho, mas carregava saco de 60 quilos de batatas nas costas. Depois fomos trabalhar em granja”, lembra Akira ao rever as fotos de dois antigos álbuns. Os retratos em preto e branco mostram vários momentos de sua vida, inclusive no Japão. “Aqui era na escola. Tinha que raspar o cabelo”, contou.

A Reportagem encontrou Akira em seu carrinho na Rua Henrique Soler, na Ponta da Praia, por volta das 11h30 de uma sexta-feira. O movimento de clientes, alguns bem antigos, já era grande. O comerciante estava todo de branco - jaleco com seu nome, calça, boné e botas de borracha – e bem humorado. A rotina é a mesma há 50 anos, quando abriu o negócio com o pai. “Comecei no recreio dentro do Senai e depois fomos para o contêiner ali na frente”, aponta ele para o outro lado da rua, onde um prédio está em construção.

A arte de fazer pastéis, Akira aprendeu com um brasileiro, após o período na granja. O irmão foi trabalhar com pescados em Bertioga, mas ele não conseguiu. “O cheiro do peixe dava ânsia de vômito. Daí fui para o pastel. Aprendi a fazer pastel. Modifiquei todo o modo de fazer”, contou.

O carrinho de Akira está entre os locais mais frequentados pelos amantes do pastel em Santos. A rotina do comerciante de 72 anos começa ainda madrugada, às 3 horas. Junto com a esposa Iolanda ­prepara as iguarias que serão vendidas ao longo do dia. “Um ajuda o ­outro. Vencemos juntos. Ela teve aneurisma cerebral e venceu”, disse ele ao ver a mulher. Ele conta ainda com a ajuda do filho Roberto Otani, de 44 anos, que toca o negócio quando o pai segue para casa para descansar.

O pastel mais pedido, e o primeiro a acabar, no carrinho do Akira, é o de camarão. Foi esse que a Reportagem provou. Massa sequinha com recheio farto e saboroso. “É camarão fresco”, disse Akira, que troca gracejos com dois antigos ­clientes.

O comerciante não revela a quantidade de pastéis que vende, mas diz que não guarda o segredo da receita. “Quem quiser aprender eu ensino. Ensinei um rapaz que está ganhando dinheiro com pastel nos Estados Unidos”, afirmou.

Foi com o pastel que Akira criou dois filhos e venceu na vida. Assim como revela o segredo da receita, ele também revela o segredo do sucesso: “O segredo é honestidade, ser correto e nada de malandragem”.

Sobre a relação com o Brasil: “Nunca mais voltei para o Japão. Não dá para comer churrasco lá, né? Nunca tive vontade de voltar. Não há país com mais fartura como o Brasil”.

No Carioca, o pernambucano João faz a massa há 43 anos

Prestes a completar 88 anos, o Carioca, no Centro de Santos, é um dos mais lembrados quando o assunto é pastel, que pode ser acompanhado por refrigerante, ­cerveja ou o tradicional chá gelado vendido no local. Frequentado por políticos e ­anônimos, o estabelecimento vive cheio. Essa rotina é acompanhada por João Ferreira de Souza, de 65 anos, que há 43 anos faz a iguaria mais pedida por lá.

“Faço todo tipo de pastel. Como uns quatro pastéis por dia. Não enjoo não. Os que mais saem são carne e queijo”, disse João, de dentro da cozinha, enquanto a Reportagem faz fotos dos petiscos expostos no balcão. Além dos mais requisitados há de queijo, pizza, camarão, frango-catupiry, calabresa e siri, todos vendidos a R$ 6,00. São ­utilizados dois sacos de 50 quilos de farinha de trigo por dia para a confecção do alimento.

João é migrante nordestino. Nasceu em Pernambuco e veio ainda moleque para Santos. “O Carioca foi meu segundo emprego na vida. Entrei como ajudante. Não sabia fazer pastel. Aprendi aqui. Depois trouxe meus irmãos do nordeste e eles trabalharam aqui ­também. Já se aposentaram”, contou.  

O cozinheiro tem um orgulho na vida: formou dois filhos na faculdade com o seu emprego. “Levanto todos os dias às 5 horas para trabalhar e ­agradeço a Deus pela oportunidade. A ­minha filha se formou médica e o meu filho em computação. Ele está morando na Austrália”, contou feliz.

Pastel substitui ovo colorido na Caracu

No início era um boteco, daqueles de pinga no balcão e ovo cozido e colorido na estufa. O bar na esquina das ruas Senador Feijó e Rua Júlio de Mesquita, na Vila Matias, em Santos, recebeu o nome de Caracu em homenagem à fábrica de cerveja homônima que ficava em frente. Anos depois se tornou lanchonete e introduziu os pastéis em seu cardápio.

“Era boteco, bem botecão mesmo. Aos poucos fomos implantando um novo sistema, melhorando a clientela. Quando a gente chegou não tinha pastel. Tinha ovo colorido e coxinha”, disse Amir Leão, um dos sócios da ­lanchonete que é gerenciada por três irmãos há 35 anos.

A nova fase fez a lanchonete, que abre de segunda a sábado, ser reconhecida pelos pastéis, seu carro-chefe. “Os que saem mais são o de carne e o de queijo. Engraçado que aqui não é pastelaria, mas o pessoal procura por causa do pastel”, disse Amir.

Migrante nordestino aprende com imigrantes portugueses

A vida difícil trouxe Toninho aos 19 anos para Santos. O baiano de Castro Alves, cidade de 40 mil habitantes, saiu de seu estado em busca de uma nova vida. Trabalhou como ajudante de pintura na construção da casa do Pelé, seu primeiro emprego em solo santista. Depois seguiu para o ramo alimentício, lugar onde aprendeu a fazer pastéis e bolinho de bacalhau que o tornaria famoso na cidade.

“Fui trabalhar no Lanches da Praia lá na Epitácio Pessoa com a Conselheiro Nébias em 1970, onde aprendi a fazer os bolinhos e os pastéis. Fiquei onze anos lá. Depois fui trabalhar na Casa do Queijo e na Caracu, onde comecei a fazer os pastéis. Era 1985. Fiquei até 1986”, lembrou Toninho.

A conversa com Toninho se dá em um dos dois bares de sua propriedade em Santos. O lugar, no Embaré, é muito frequentado. “Juntei economias e decidi abrir meu próprio negócio. Eu tinha essa vontade. Consegui comprar um lugarzinho atrás da igreja (do Embaré). Lá fiquei 14 anos e aprimorei o que aprendi”, continua ele. O ano era 1987.

Com a prosperidade do negócio, que cada vez mais era procurado, Toninho viu a necessidade de ampliação. “Precisava de um lugar maior. Um ambiente mais amplo, com possibilidade de colocar mais mesas e diversificar os salgados”, lembrou. A mudança de local ocorreu em 2001. Na inauguração, uma surpresa. “Explodiu de gente. Acabou a cerveja gelada. Era muita gente mesmo. Não tinha noção da minha freguesia”, contou. No ano seguinte, em sociedade, abriu uma filial na Rua Carvalho de Mendonça.

O migrante nordestino aprendeu a fazer pastel com imigrantes portugueses. Ele fala da diferença que há entre as iguarias vendidas na feira e em seu bar. “É um pastel aperitivo, menor e com bastante recheio”, destacou Toninho. Em seu bar, os sabores mais pedidos são carne, queijo e carne seca com catupiry.

A receita foi aprimorada por ele ao longo dos anos. O comerciante conta com a ajuda de um amigo da região da Bahia que trabalha com ele há muitos anos e toma conta dos recheios. “O bolinho de bacalhau passa pela minha mão porque tem o meu segredo”.

Toninho também conta com ajuda de dois de seus seis filhos no comércio. O nordestino que trabalhou na lavoura de cacau e café e tem apenas o antigo primário como formação escolar falou sobre o sucesso. “Fiz de tudo para terminar o estudo, mas não consegui. Tinha que trabalhar. Acho que o segredo do sucesso é o trabalho. Sem trabalho e perseverança a gente não consegue seguir em frente. As coisas não caem do céu”, afirmou.

 

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