X

Brasil

Um policial Militar é morto a cada 5 dias em São Paulo; são 1 147 desde 2001

A violência que atinge os PMs ainda fez com que 3.131 homens e mulheres fossem afastados do trabalho por terem sido atingidos por tiros ou facadas

Estadão Conteúdo

Publicado em 03/12/2017 às 08:30

Comentar:

Compartilhe:

A-

A+

Um policial Militar é morto a cada 5 dias em São Paulo / Divulgação/Fotos Públicas

O papel está ali, colado na parede branca de mármore. "Papai, obrigada por toda a alegria que você me passou, por toda a hora que você passou ao meu lado para me proteger. E, pai, eu estou com muita saudade de você." A letra de forma da carta escrita com uma canetinha roxa já está um pouco desbotada. A menina escreveu em 2014 para o pai, o soldado Fernando Gomes Kaczmarek Correa. Ele era um policial. Um grupo de homens ouve a leitura que dela faz em voz alta o capitão Ricardo Salvi, da Polícia Militar. Todos estão no mausoléu da corporação, no Cemitério do Araçá, na zona oeste de São Paulo.

A autora da carta é filha de um dos 1.147 policiais militares assassinados desde 2001 no Estado, um efetivo equivalente a dois batalhões inteiros da corporação. É como se a cada cinco dias um policial fosse morto em São Paulo. O pai de Sophia - o soldado Correa - era patrulheiro rodoviário. Estava com um colega na Rodovia dos Imigrantes, às 3h30 do dia 14 de dezembro de 2013, quando fez sinal para um carro parar. Ao caminhar para abordá-lo, apareceu um Honda preto, que o atropelou. O motorista fugiu e, 14 quilômetros adiante, furou um bloqueio policial, na Baixada Santista.

A maioria da audiência do capitão Salvi é composta de novatos, recém-chegados na 6.ª Divisão da Corregedoria da PM, o setor responsável por prender agressores e assassinos de policiais no Estado. O ritual da leitura prossegue: "Obrigada por tudo o que você me deu, pai. Eu te amo e sempre vou te amar". Esguio, de fala pausada, o capitão é um homem habituado com essas histórias Ele prossegue a leitura: "Eu fiz essa carta para lembrar de tudo o que a gente passou juntos". A carta termina com desenhos infantis, representando o pai, a viúva, Mara, e a filha, Sophia, todos rodeados de beijos e corações em torno da frase da menina, que era seu desejo. "Feliz dia dos pais!!!"

Outras tantas cartas estão ao lado das fotos de outros tantos pais no mausoléu. Quase sempre dos chamados praças - de soldados a subtenentes -, base da hierarquia da corporação. Compõem a maioria de outro número enorme: o dos policiais feridos todos os anos. A violência que atinge os PMs fez com que 3.131 homens e mulheres fossem afastados do trabalho por terem sido atingidos por tiros ou facadas ou envolvidos em capotamento de viaturas, atropelados por bandidos ou vítimas de outros acidentes no serviço ou na folga, de 2015 até agora.

Reunido pelas Juntas Médicas da Diretoria de Saúde da corporação, esse número, ao lado do total de mortos no período computado pela Corregedoria, ajuda a traçar um retrato inédito da violência que atinge esses profissionais. Durante seis meses, o Estado acompanhou as histórias de policiais que enfrentaram a morte e sobreviveram e do grupo que apura ameaças, agressões e assassinatos de policiais. São casos como o do soldado Gilson Ribeiro, de 36 anos, que foi baleado quando tentava defender-se de ladrões durante a folga. "Nós somos treinados para ser super-heróis, mas na verdade nós não somos", disse. Ribeiro faz fisioterapia neurológica, no Centro de Reabilitação da PM. A bala que o acertou o deixou paraplégico. Era 2014. Ele trabalhava no patrulhamento das ruas.

Folga

De folga também estavam, de acordo com os números das PM, 85% dos policiais assassinados neste século no Estado. Neste ano, dos 43 PMs assassinados em São Paulo, só 3 foram mortos durante o serviço - 4,3 casos por mês, ante 4 em 2016 e 3,8 em 2015. A violência contra os policiais pode ser medida ainda pelas medalhas Cruz de Sangue dadas pela PM. Ela são de três tipos: ouro, prata e bronze. A de grau ouro é póstuma, a de prata é para casos de invalidez e a de bronze, para policiais feridos em serviço ou folga em defesa da sociedade. Criada em 1998, até hoje foram concedidas 1.145 - 291 de ouro, 63 de prata e 791 de bronze.

80% dos crimes são esclarecidos, diz Corregedoria

Os 30 homens do grupo da Corregedoria da PM responsável por caçar matadores de policiais detiveram 177 acusados desses crimes de janeiro de 2015 a setembro deste ano - uma detenção a cada cinco dias. Pela estimativa do major Flávio César Fabri, chefe do grupo da Corregedoria, 80% dos crimes contra policiais são esclarecidos.

Responsável também por investigar policiais corruptos e assassinos, o coronel Marcelino Fernandes da Silva, comandante da Corregedoria, afirma que o cumprimento da lei e o controle da letalidade - de janeiro de 2015 a setembro deste ano, 2.278 pessoas foram mortas por PMs no Estado - têm o efeito de parar a espiral de vingança que consome as vidas dos homens da corporação. "Quando o policial age fora da lei, ele 'legitima' que o marginal execute policiais."

O coronel estava em seu gabinete, no bairro da Luz, no centro de São Paulo, quando recebeu em 18 de agosto dois áudios por meio de um aplicativo de conversa criptografadas. Eles continham um pedido de socorro que se espalhou pelos grupos de policiais. "Alô, eu sou a mulher do Felipe Henry, a gente acabou de ser assaltado. Atiraram nele, alguém me ajuda aqui, por favor!"

Felipe Henry Pereira Matos tinha 23 anos e apenas dois meses como policial. Havia decidido buscar a mulher, Luana Martins de Almeida Matos, e o filho de 3 meses, que moravam em Goiás. Foi em seu novo lar, no Grajaú, na zona sul, que tudo aconteceu. O policial chegou com a família às 6h30 e foi abordado por dois bandidos. Quando perceberam a arma dele, o levaram para a garagem e o mataram com um tiro na nuca. Marcelino escuta depois outro áudio da viúva. "Socorro, socorro, ele não reagiu e mataram ele." O coronel começa a chorar. "Isso aconteceu na frente da mulher e do filho", conta, antes de retomar o fôlego. "Não temos espírito de vingança, mas de justiça. Nada vai trazer de volta a vida do policial."

 

Apoie o Diário do Litoral
A sua ajuda é fundamental para nós do Diário do Litoral. Por meio do seu apoio conseguiremos elaborar mais reportagens investigativas e produzir matérias especiais mais aprofundadas.

O jornalismo independente e investigativo é o alicerce de uma sociedade mais justa. Nós do Diário do Litoral temos esse compromisso com você, leitor, mantendo nossas notícias e plataformas acessíveis a todos de forma gratuita. Acreditamos que todo cidadão tem o direito a informações verdadeiras para se manter atualizado no mundo em que vivemos.

Para o Diário do Litoral continuar esse trabalho vital, contamos com a generosidade daqueles que têm a capacidade de contribuir. Se você puder, ajude-nos com uma doação mensal ou única, a partir de apenas R$ 5. Leva menos de um minuto para você mostrar o seu apoio.

Obrigado por fazer parte do nosso compromisso com o jornalismo verdadeiro.

VEJA TAMBÉM

ÚLTIMAS

Cotidiano

Anticiclone deve atingir o litoral nos próximos dias; entenda o fenômeno

Toda a região Sudeste, Centro-Oeste e Sul devem ser impactadas

Cotidiano

Princípio de incêndio atinge borracharia em Santos e imagens impressionam; Veja vídeo

O incidente ocorreu na Avenida Visconde de São Leopoldo, bairro Valongo, por volta de 7h45

©2024 Diário do Litoral. Todos os Direitos Reservados.

Software

Newsletter